Psicopedagogia e saber.

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Senadores querem revogar política de educação especial do governo O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) apresentou ao Senado um projeto de decreto legislativo (PDL 437/2020) para sustar os efeitos do Decreto 10.502, de 2020 , editado na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro, que criou a Política Nacional de Educação Especial (PNEE). Para o senador, a PN...

Sobre o Plano Nacional de Educação Especial

“O movimento da inclusão pressupõe que as escolas e os educadores estejam aptos a trabalhar com crianças com os mais diversos perfis de aprendizagem. Sabemos bem que isso não acontece e por diversas razões: o despreparo histórico dos profissionais para a educação especial, a falta de investimentos na área, a crônica desvalorização dos professores, a ausência de apoio institucional”

Famílias frustradas, exaustas, feridas. Prontas para aceitar que estão diante do direito de escolha.

Já falei o que penso sobre o assunto e compartilho novamente com vocês. Texto postado originalmente em 25/09/2019 (https://www.facebook.com/DraRaquelDelMonde/posts/904649906572797)

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Vamos ter uma conversa séria sobre escolas?

Eu nunca havia parado pra pensar nesse assunto antes de ser mãe. Não sabia nada sobre métodos pedagógicos, abordagens educacionais ou tipos de escolas. Só tinha comigo as lembranças da minha própria vida escolar, inteiramente passada na escola pública: uma garota nerd que gostava de estudar. Quando me tornei mãe de um menino autista, problemas na escola despencavam na minha cabeça. Ele não aprende. Ele não f**a em sala de aula. Ele se esconde embaixo da mesa. Ele tentou pular o muro da escola! Ele joga areia nos colegas. Ele não faz a tarefa. Etc. Na terceira escola, o pesadelo de qualquer mãe: as outras mães da classe se reuniram e fizeram um abaixo assinado para que ele saísse da escola. Tempos sombrios. Nenhuma lei de inclusão naquela época. Fomos salvos por uma diretora que acreditava no ser humano e na inclusão e que guiou a equipe por esse caminho (eternamente grata, Cida!).

Muitos anos se passaram – meu pituco está indo para o quarto ano de faculdade. Pediatra de formação, tornei-me uma estudiosa e uma entusiasta da aprendizagem e da inclusão. Com o tempo, busquei especialização em psiquiatria para contribuir ainda mais no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Impossível separar minha vivência pessoal do meu trabalho: participei ativamente da vida escolar de muitos pacientes. Nunca foi fácil nem divertido, acreditem. Apostar na inclusão é uma escolha que implica em frustrações diárias.

É natural que a maior parte das pessoas se baseie nas próprias experiências quando pensa em escolas e inclusão. No meu caso, as experiências se multiplicaram centenas de vezes, minha linha de visão se abriu em todas as direções. Não há apenas um grupo de pessoas que se beneficia da inclusão escolar. Não são só os autistas. São as pessoas com TDAH, dislexia, discalculia. São as pessoas com síndromes genéticas, com deficiências sensoriais e intelectual. São as pessoas com diversos quadros orgânicos e neurológicos. São todas as pessoas, na verdade.

Muita gente não tem ideia da variedade e gravidade dos casos que chegam aos serviços médicos. Além do consultório e do ambulatório no HC, trabalhei por mais de 4 anos num projeto em uma escola especial. Nesses serviços, vemos necessidades de todos os tipos, tão diversas quanto a diversidade humana. É impossível que todas sejam atendidas dentro de um único modelo, uma única abordagem. Sinto muito, a escola regular não consegue atender todo mundo de forma adequada. Existem crianças (com doenças neurológicas, por exemplo) que dependem de equipamentos médicos, que usam sondas e cateteres. Outras que são imunossuprimidas e precisam de isolamento pelo risco de uma infecção. Outras ainda que tem limitações sensoriais e cognitivas graves a ponto de comprometer sua própria integridade física. Todas com o mesmo direito a atendimento educacional, porém com características que exigem ambiente diferenciado, com a colaboração de profissionais de outras áreas. Essas crianças não podem ser ignoradas. Mas são exceções. Todas as outras devem ser atendidas na escola regular. O movimento da inclusão pressupõe que as escolas e os educadores estejam aptos a trabalhar com crianças com os mais diversos perfis de aprendizagem. Sabemos bem que isso não acontece e por diversas razões: o despreparo histórico dos profissionais para a educação especial, a falta de investimentos na área, a crônica desvalorização dos professores, a ausência de apoio institucional.

Não bastasse tudo isso, vivemos atualmente uma insanidade coletiva em relação à função da escola na nossa sociedade: a cultura do vestibular. Aprovações nas faculdades tornaram-se a própria razão de existir do nosso sistema educacional, notadamente no sistema privado. Outdoors com a lista de aprovados viraram fetiches nacionais. A pressão em cima dos alunos chega a ser adoecedora e desumana. O objetivo supremo é preparar os mais capazes. Não sobra muita energia para os restantes.

A escola deveria ser pensada como um lugar de experiências variadas, para se adquirir conhecimentos signif**ativos para a vida de cada um, para educar para a autonomia. Países que são referências mundiais em educação exploram novos modelos de ambientes e materiais, oferecem disciplinas com aplicação direta na vida prática (como educação financeira e economia doméstica), flexibilizam procedimentos de avaliação, permitem escolhas curriculares mais individualizadas, estimulam estudo colaborativo e uso de tecnologia. Aqui continuamos presos ao passado. Reproduz-se um modelo de ensino engessado, baseado em práticas que não podem ser questionadas, e que exige desempenhos padronizados dos alunos. A escola brasileira, de modo geral, não atende adequadamente nem os alunos neurotípicos, imaginem só aqueles que necessitam de algum tipo de suporte. Mas como vamos exigir mudanças se desistirmos de lutar por elas?

Entendo que muitas famílias estejam frustradas, exaustas e feridas. As leis de inclusão ainda estão longe de funcionar. E seus filhos precisam delas pra hoje, não podem esperar até que todas as mudanças aconteçam. Nesse desespero, muitos estão dispostos a abrir mão de avanços conquistados. É um caminho de difícil retorno.

Não existe uma resposta simples para os problemas que enfrentamos na área da educação. Por maior que seja nosso desejo de encontrar uma solução para nossas crianças, ela certamente não está no texto ambíguo e confuso do PL 3803/2019. São muitos pontos controversos neste projeto. Todos deveriam ler a íntegra do texto, ponderar as observações de entidades que representam pessoas com deficiência e as análises jurídicas de advogadas como Adriana Monteiro, que conhece o tema em profundidade. Enfim, pensar nas possíveis consequências. A afirmativa de que uma nova lei como essa dará liberdade de escolha às famílias (para matricular seus filhos em escola regular ou especial) é de uma ingenuidade absurda. Em que parte do PL está a tal garantia do “direito de escolha? A partir do momento que gestores escolares estiverem respaldados por lei para dizer que suas escolas não dispõem de recursos para atender determinados alunos, muitos outros serão excluídos.

Afinal, quem decide se um aluno precisa ou não de determinados recursos? Quem decide se estes recursos devem ser oferecidos pela escola regular? Quem deve ser encarregado da fiscalização dos atendimentos e das reavaliações periódicas para manter ou alterar as decisões anteriores? Estas são as perguntas que realmente precisam ser respondidas.

Não se trata de medir forças, de disputa entre grupos, e sim do legado que deixaremos às próximas gerações.