Reino de Zana
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Zana é o reino das grandes falanges missionárias do Espaço. Ali é constante o trabalho de salvação e recuperação dos espíritos que se perderam em suas jornadas cármicas e perambulam pelo Vale Negro. Dali se projetam as forças para manipulação pelas missionárias nos Sandays que trabalham com as forças das Estrelas. A força de uma ninfa com sua indumentária de missionária, que se soma a todas que já possui, procede diretamente do Reino de Zana.
UM ESPÍRITA NO UMBRAL
Um homem de 55 anos, espírita, sofreu um acidente e morreu de repente. Ele se viu saindo do corpo e chegando a um lugar escuro, feio, tétrico, com energias muito negativas.
Assim que começou a caminhar por aquele vale sombrio, viu três espíritos vestidos com capa preta caminhando em sua direção. Assim que chegaram, o homem perguntou:
– Que lugar é esse?
– Aqui é o que vocês espíritas chamam de umbral – disse um dos espíritos. O homem ficou chocado com aquela informação. Mal podia acreditar que estava no umbral. Considerou que talvez estivesse ali para participar de alguma atividade socorrista aos espíritos sofredores. O espírito negativo, que lia seus pensamentos, respondeu que não. Ele estava ali porque o umbral era a zona cósmica que mais guardava sintonia com suas energias.
– Mas isso é impossível!!! – disse o espírita em desespero. – Não posso estar no Umbral. Deve haver algum erro… Em primeiro lugar eu sou espírita, faço parte dessa religião maravilhosa que é considerada o consolador prometido por Jesus. Realizo também projetos sociais de doação de sopa aos pobres. Ministro o passo magnético duas vezes por semana a uma multidão de pessoas lá no centro. Também ajudo financeiramente instituições de caridade muito necessitadas, além de dar palestras no centro para os iniciantes no Espiritismo. Definitivamente há algo errado…
Não há nenhum erro – disse o espírito das sombras – Em seu atual estágio de evolução, você tem que f**ar aqui mesmo. É verdade que você é espírita e faz parte desta doutrina consoladora, mas intimamente você julgava pessoas de outras religiões inferiores por não serem espíritas. Sim, você realizava projetos sociais dando sopa aos pobres, mas em seus pensamentos sentia-se o máximo praticando a caridade e julgava que os pobres não eram tão evoluídos por estarem amargando a pobreza, quando na verdade muitos deles eram mais puros que você. Sim, você ministrava o passe, mas considerava que seu passe era mais “poderoso” e mais curador do que o passe de outros passistas. Sim, você ajudava financeiramente instituições de caridade, mas dentro de ti sempre dava o dinheiro esperando receber algo em troca e sentindo-se alguém muito “caridoso”. E finalmente… Sim, você dava palestras aos iniciantes na doutrina, mas acreditava ter mais conhecimento que eles e se colocava numa posição de destaque e vaidade intelectual. Tudo isso suscitando uma das maiores chagas da humanidade, o “orgulho” e a “vaidade”.
O homem ficou impressionado com as revelações daquele espírito. De fato, revendo suas atitudes e sua perspectiva, intimamente havia quase sempre um sentimento de superioridade, de orgulho em relação aos outros, diante de tudo o que foi feito.
O espírita então olhou para dentro de si e começou a se arrepender de tudo aquilo, reconhecendo seu erro e sentindo-se mais humilde. Nesse momento, ele sentiu uma luz brilhando dentro dele e começou a se elevar. Ao perceber que estava se elevando e deixando o umbral, avistou outros espíritos ainda presos à condição umbralina e novamente lhe veio um orgulho e uma sensação de superioridade em relação aos mesmos. Após sentir isso, caiu novamente no umbral, e a queda dessa vez foi ainda mais dolorosa. Um dos espíritos trevosos disse:
– Você caiu novamente porque, no momento em que se elevava, começou a sentir uma certa superioridade em relação aos espíritos que aqui estavam, suscitando mais uma vez uma condição de orgulho. Além disso, “A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido.” (Lucas 12:48).
O homem ficou muito triste com tudo aquilo. Entrou dentro de si mesmo e com toda a sinceridade pensou: Sim, é isso mesmo. Eu fui uma pessoa arrogante por ser espírita e por tudo o que eu fazia. Esse orgulho neutralizou todo o mérito de minhas ações. Mas tudo bem, eu mereço estar aqui no umbral. Vou f**ar por aqui mesmo, quem sabe eu aprendo alguma coisa. Não me importo mais comigo e entrego minha vida a Deus… Como disse Jesus, “Que seja feita a vontade de Deus e não a minha”.
O homem caiu no chão e apenas se entregou a Deus com fé. Nesse momento, não tinha mais nenhum sentimento de autoimportância. Fechou os olhos e deixou tudo fluir…
Nesse momento, seu corpo começou a se tornar um corpo de luz e, sem nem perceber, começou a se elevar novamente. Assim que chegou a uma zona mais elevada, abriu os olhos e, para sua surpresa, havia se libertado do umbral. Dessa vez, nem percebeu que estava se elevando e se libertando.
Um dos espíritos trevosos estava esperando por ele nesse plano mais elevado. Tirou a capa preta e uma luz maravilhosa começou a brilhar. O espírita percebeu que esse espírito não era negativo, mas um espírito de luz que o estava ajudando desde o início. O espírito disse:
– Tua renúncia de ti mesmo no último momento te salvou do umbral. Que tudo isso sirva de lição para você, meu filho. Toda essa experiência que você passou serve para os membros de qualquer religião. E não se esqueça jamais do que disse Jesus:
“Não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita.” (Mateus 6:3)
(Hugo Lapa)
ANGICAL - Hoje, segunda-feira 15 de agosto, é dia de Angical, como acontece todos os meses, uma vez ao mês, na segunda-feira mais próxima ao dia 13. O Angical é um trabalho realizado especif**amente para a passagem de espíritos cobradores e somente com médiuns já desenvolvidos
“O nome Angical deriva de um Arraial que existia no Sul da Bahia, primeiramente chamado Abóboras, existindo neste local as Fazendas 3 Coqueiros e dos Ferreiras. Neste Arraial, e redondezas, no período do Brasil império, milhares de espíritos encarnaram provocando grandes desatinos, gerando tristes carmas, haja vista os dramas desenvolvidos no palco da vida escrava.
Tia Neiva nos explicou que "alcançando a condição mediúnica, os nossos mentores autorizaram o trabalho, que é específico para a vida destes espíritos com os quais contraímos débitos, para a rica oportunidade do reajuste.“Então eis porque Deus nos confronta frente a frente com as nossas vítimas do passado e delas ou por elas, inconscientemente, sentimos na carne o que as fizemos sentir. Hoje, nos Templos do Amanhecer, os mais esclarecidos buscam os que ainda estão nas trevas ou no alcance de suas cobranças. Agem, se esclarecem e se voltam para Deus.”
POSTAGEM DE SEXTA-FEIRA 12 AGOSTO 16 Os esquifes do Quadrante da Princesa Iramar já estão quase concluídos! Resultado do trabalho e dedicação de todos! Continuem nos ajudando. Salve Deus! Deus lhes pague!
A VIDA NUM CEMITÉRIO
Extraido do livro "Sob os olhos da Clarividente" de Tia Neiva
– Duas coisas, Neiva, sobre as quais pedirei mais esclarecimentos: essa questão dos suicidas e o que se passa nos cemitérios. No caso dos suicidas, tenho um pouco de preocupação com aqueles que nos vão ler. Você não acha que, se justif**armos o suicídio, podemos dar motivos para que as pessoas que antes vacilavam, o façam por isso?
– Não, Mário, isso não me preocupa nem um pouco. Nas estórias que estamos relatando, estamos frisando muito bem os aspectos positivos da vida e abrindo possibilidades a todos, mesmo que não aceitem nossa Doutrina. As pessoas que lerem os casos que estamos contando verão que o verdadeiro suicídio é a morte planejada, deliberada. Se uma pessoa é consciente das implicações da vida cármica e, assim mesmo, se mata, esse é, realmente, um suicida. O que vai se apresentar a ele, depois disso, é a mesma situação que deixou na vida, porém, com muito mais complicações. Definitivamente, não paga a pena suicidar-se. Mas, o que me preocupa, realmente, nesse assunto, é a atitude dos vivos com relação aos suicidas, ou como tal considerados. Isso porque o espírito, após o desencarne, depende muito dos que f**am. Se as idéias e conceitos que fazemos do morto forem positivas, ou, pelo menos, isentos de julgamento, ele se despreocupa muito mais dos que aqui deixou e pode seguir seu destino com maior tranqüilidade. Isso sem falar na questão ectoplasmática, tão preciosa para o recém desencarnado.
– É, isso faz sentido. E quanto aos cemitérios? Tradicionalmente a gente considera o cemitério como um lugar de paz, de tranqüilidade. Ele é assim, realmente?
– Não! A paz que ali existe é somente física, pois os defuntos são, apenas, matéria em decomposição, e nada podem fazer fisicamente. Mas, em contrapartida, na parte psico-espiritual, a coisa é bem diferente. Deixe-me contar um caso que irá elucidar bem as duas questões. Certa vez fui procurada por um senhor, de nome Marcondes, que soubera a meu respeito por intermédio de um deputado federal. Marcondes morava em São Paulo, e pertencia a tradicional família católica, sendo membro ativo da Confraria Vicentina. O motivo de sua visita eram conflitos conjugais e problemas comerciais. Sua situação era a pior possível. Em sua vida conjugal, havia sério problema pela interferência de um seu secretário, chamado Waldo, aparentado de sua esposa. Registrei o nome dela – Armanda – e de uma filha de 17 anos. De pronto, verifiquei que a base do desajuste era a presença de Waldo e um carma complexo de toda a família. Vi, também, que a alimentação mediúnica do conflito se processava, principalmente, através de Marcondes.
– Mas, Neiva – interrompi – mediunidade num católico praticante?
– Sim, Mário, você não está sempre afirmando que a mediunidade independe da situação da pessoa?
– Bem, é lógico… Apenas estranhei um pouco, porque os católicos têm uma posição bem definida de antagonismo ao Espiritismo.
– Ao Espiritismo, Mário, mas não ao Mediunismo. A idéia do médium, isto é, do intermediário, também é fundamental no Catolicismo, só que é apresentada de outras formas. Bem, não quero me aprofundar nessa análise, em face do respeito que tenho, não só pelos católicos, mas por todas as religiões, e não nos compete julgar qualquer outra linha ou credo. Mas, o caso de Marcondes estava nítido. Cumpridor de seus deveres religiosos, desde mocinho destacou-se como congregado mariano e, na prática constante de sua doutrina, desenvolveu sua mediunidade. Sempre procurando respeitar sua posição, com muito custo consegui equilibrar seu quadro familiar e sua posição comercial. Pedi que ele trouxesse Waldo até Brasília, e esclareci os dois sobre a situação. Com isso, pude retirar a possessão que existia, e ambos se foram em paz. Depois disso, periodicamente, eu recebia algumas flores, com um cartãozinho de um deles, me cumprimentando. Depois de um ano desse contato com eles, cessaram as flores e as notícias.
– E você não ficou preocupada, não se agastou com isso?
– Não. Já estou acostumada com isso. Como disse Chico Xavier, sou apenas um burrinho que transporta o Bem e recebe más notícias. O fato é que não recebi mais qualquer notícia deles. Algum tempo depois, Pai João me convocou para ver um “tutelado” meu. É a forma como ele se refere aos nossos clientes. Desprendi-me do corpo e tratei de acompanhá-lo. Eram cerca de três horas da madrugada quando chegamos a um lindo cemitério, cheio de capelas e estátuas ornamentais. Senti medo, e fiz menção de retornar ao meu corpo. Pai João me segurou e me repreendeu, dizendo: “Filha, filha, tenha cuidado e contenha-se. Lembre-se de que o seu amor fraternal a sustenta e a livra de qualquer mal! Não se esqueça de que o medo é um grande mal…” Nisso, surgiu um homem muito alto, vestido de preto e com uma camisa muito branca. Dei um grito, assustada, pois o semblante do homem denotava, claramente, que ele havia saído de uma cova. Pai João sorriu e me segurou, dizendo: “Filha, este cemitério é em São Paulo, e aqui estão enterrados defuntos que pertenciam a diversas religiões.” Não entendi bem porque aquela referência às religiões. Mais calma, fiquei observando o homem de preto. Ele gesticulava, como se estivesse falando em um comício, e seu tom era de protesto e indignação, como se não soubesse o que estava fazendo ali. Outros espíritos se reuniram e a impressão que eu tinha era mesmo de um comício. Em dado momento, o homem de preto se calou, e um outro homem se destacou pelos gritos que dava, invocando Nossa Senhora da Conceição e invectivando uma figura encapuçada, que percebi ser um frade, que se encolhia todo ao ouvir as coisas que lhe eram ditas pelo tal homem. Admirada pela cena, chamei a atenção de Pai João: “Olha, Pai João, veja como ele chama por Nossa Senhora! E aquele frade? Pobre homem. Tão simples, um sacerdote, recebendo uma humilhação como essa.
- Época que verdade, minha filha, esse frade é um grande espírito. Aliás, um sacerdote é, sempre, um grande espírito. Feliz do homem que se desprende dos bens materiais para se dedicar a uma missão. Quando à invocação de Nossa Senhora é perfeitamente natural, de acordo com a crença desse homem. E pode ter certeza, minha filha, de que ele será atendido na sua invocação.
– E por que, Pai João, esse homem está com tanta raiva do frade.
– Eles estão num reajuste, minha filha, reajuste esse que não foi feito quando ambos estavam encarnados. O homem que está gritando com o frade é um suicida. Era um político de muito destaque, e esse frade era seu filho. Seu sonho de político era o de que seu filho seguisse a mesma carreira. Mas não soube conduzi-lo e, em certo momento, o rapaz abandonou a família e se recolheu a um convento. A frustração do pai foi muito grande, e a isso se somaram outros desgostos, que levaram o político ao suicídio. Apesar do gesto dramático, ele não morreu na hora. O filho, já um sacerdote, foi para a cabeceira do pai e, contrariando as normas de sua religião, deu a absolvição, a extrema unção ao pai.
– Mas não podia, Pai João? Por que um filho não pode dar absolvição a um pai?
– Nesse caso, não, minha filha, porque ele era um suicida comprovado e a Igreja não permite a ministração de sacramentos a pessoas que se suicidam, nem mesmo seu enterro num cemitério consagrado.
– Mas, Pai João, – objetei – como um espírito, que vem para se reajustar na Terra, como no caso presente, com seu próprio pai, abandona a família e, portanto, a sua obrigação cármica, o seu reajuste, se refugia num convento e, ainda assim, pode ter a santidade para dar uma absolvição?
– Sim, minha filha, não se esqueça de que o ritual de um sacerdote, que tem uma missão de amor, e coloca sua missão acima de seus interesses pessoais, é sempre ouvido pelos santos e anjos, seus protetores. Assim são chamadas as falanges que guarnecem as igrejas católicas. Mas, o nosso frade cometeu um erro, na qualidade de sacerdote: nem ao próprio pai ele poderia absolver como o fez. Por essa razão, ele teve que pagar por esse erro e é por isso que ele está cumprindo seu tempo junto ao seu pai, não só pelo erro cometido como pelo reajuste que não fez.
– Mas, então, Pai João, a boa intenção dele de nada lhe serviu? Se ele foi um bom sacerdote, cumpridor de seus deveres, só porque desobedeceu a um preceito, só por isso, ele não foi para o Céu, como acreditam os católicos?
– Sim, Neiva, um sacerdote tem a situação parecida com a do Doutrinador em nossa Ordem. Se um Doutrinador cometer um erro num trabalho mediúnico, ele arca com as conseqüências, principalmente com relação aos obsessores. Um sacerdote da Igreja Católica é um Doutrinador, com grandes poderes intelectuais, e, quando é um bom missionário, ele se torna um verdadeiro espírito de Luz. Na verdade, todos os sacerdotes têm alguma santidade, mesmo os profissionais.
– Profissionais? Como, Pai João?
– Profissionais do sacerdócio são sacerdotes por carreira, não missionários. São os que contribuem para a queda das igrejas, embora tenham sua razão de ser, sua função.
– Função, Pai João?
– Sim, filha, função, finalidade. Tudo e todos têm alguma finalidade. Por exemplo, filha, o chamado baixo espiritismo, com suas práticas mediúnicas anímicas, tem a função importante de escada de acesso para os espíritos de condições evolutivas inferiores. Todos são instrumentos e recebem as bênçãos de Deus, mas todos têm sua responsabilidade proporcional aos graus de evolução que possuem. Veja o caso do Mário. Ele é um Doutrinador que já fez as mais lindas doutrinas, curas e desobsessões e, certa vez, porém, por conveniência pessoal, ele admitiu a mistif**ação de um médium, que era um aparelho positivo, e, por isso, está arcando com as mais tristes conseqüências.
– Qual foi esse caso, Pai João?
– Foi o caso de um casal, o marido Doutrinador e a esposa médium incorporadora. Num dado momento, ela começou a profetizar e o Mário, em vez de cumprir seu dever de Doutrinador, permitiu que ela continuasse profetizando, deixando o esposo na crença de que se tratava de comunicações positivas. O resultado foi o mais triste e, agora, o Mário arca com o ônus do erro cometido. A médium exerce, sobre ele, terrível possessão, e até que se esgotem as energias negativas desse ato, ele terá que sofrer!
– Neiva, Neiva! – interrompi – Quer dizer que estou colocado na mesma posição do frade da estória que estamos contando?
Ela sorriu e não me respondeu. Voltei a falar:
– É melhor voltarmos ao cemitério!… Sobre o frade e seu pai, não entendi bem a posição dos dois. Eles haviam se perdido um do outro? Pelo que entendi, o fato se passou em tempos bem distantes. O homem, o suicida que você estava conhecendo, era bem mais moço do que o frade, seu filho. Explique melhor isso, Neiva.
– Para se compreender essa situação, é preciso admitir que as coisas no plano espiritual são mais complexas e difíceis de entender com os sentidos ou com a razão. Para começar, os dois estavam em planos completamente diferentes. O plano do frade era muito mais alto do que o do seu pai suicida.
– Mas, Neiva, se os planos deles eram diferentes, como é que estavam naquela posição? O padre não deveria estar numa outra situação?
– E estava! Cada um pertencia a um plano, e os dois apenas se achavam no mesmo local. Entenda bem: planos diferentes e o mesmo local. O frade conhecia seu pai, sabia da sua dor e da sua revolta, e era obrigado a permanecer junto a ele até conseguir liberá-lo. No fundo, estava apenas arcando com as conseqüências dos dois erros cometidos. Primeiro, por ter absolvido os pecados de um suicida, erro cometido contra o ritual da sua igreja, pelo qual respondia individualmente, na qualidade de sacerdote. Segundo, o reajuste que deixara de fazer, ao abandonar o lar e se internar num convento, e que teria que ser completado. O fato, aparentemente bom, dele deixar a família e se dedicar ao claustro, absolutamente não compensou o fato mau do descumprimento da tarefa cármica junto aos pais. E isso também não invalidou sua ação, como sacerdote, pois a missão à qual se dedicou trouxe-lhe a evolução e a Luz. De qualquer forma, com a evolução e a Luz, sua responsabilidade junto à Lei Cármica permaneceu: “A Lei terá que ser cumprida até o último ceitil…”
– É, Neiva, é mesmo difícil a gente entender os meandros da vida espiritual!
– É por isso, Mário, que Jesus nos diz, taxativamente, que não devemos julgar. O nosso julgamento é limitado pela nossa razão e pelo que enxergamos no plano físico. O ser encarnado, porém, está vivendo vários planos simultaneamente: os do seu passado e os do passado dos que o cercam.
– Mas, Neiva, como a gente pode viver sem julgar? Como podemos tomar decisões a respeito de nossos negócios, nossos amores, nossas obrigações, sem julgar as pessoas com quem somos obrigados a entrar em relações?
– Mário, o nosso juízo, as idéias que fazemos a respeito das pessoas, têm que ter a flexibilidade necessária. Devemos aceitar as pessoas como elas são, e não segundo um juízo nosso. Se tomarmos em conta o amor, a tolerância e a humildade, dificilmente iremos cometer erros de julgamento. Os erros maiores nós cometemos quando julgamos com ódio, rancor, preconceitos e egoísmo. Percebe, Mário, a validade do Evangelho? Mas voltemos ao cemitério.
Ali estava eu, na companhia desse maravilhoso espírito que é Pai João, mas, ao mesmo tempo, me acabando de medo. Não era só o caso do frade e de seu pai que eu via, mas inúmeros outros dramas. Ainda preocupada com o pobre frade, perguntei a Pai João:
– Esse sacerdote, meu pai, está num plano melhor que o meu?
– Sim, filha. Você ainda é uma simples clarividente, enquanto ele já completou o seu tempo, com renúncia e humildade.
– Mas, Pai João, eu também já renunciei a muita coisa!
– Sim, filha, você renunciou por medo dos espíritos fora da matéria. Não se apresse, filha! Continue na sua missão, não cometa erros contra a Lei do Senhor, e um dia chegará ao plano onde está esse frade. Se você continuar no bom caminho, não terá necessidade de passar por aqui, como esses espíritos que aqui estão.
Nisso, para minha surpresa, surgiu o espírito de Marcondes, dirigindo-se para nós, embora ele não visse Pai João. Ao chegar junto a mim, falou emocionado:
– Tia Neiva, minha santa! Que bom encontrá-la aqui! Oh, Tia Neiva! Armanda e Waldo me decepcionaram, apesar de tudo que a senhora disse a ele. Perdoe-me, tiazinha, não pude resistir. Joguei meu carro num barranco, bem na entrada da nossa mansão.
– Meu Deus, meu Pai João, outro suicida!…
– Sim, Neiva, – falou Pai João – outro suicida que irá f**ar aqui muito tempo.
Armanda e Waldo formaram uma corrente tão negativa que Marcondes não resistiu. Suicidou-se, embora o caso tenha sido considerado como acidente. Esse foi mais um caso de suicídio que passou como sendo um simples acidente. Assim, há, também, acidentes que passam como sendo suicídios. Percebe, agora, o cuidado que se deve ter com relação a isso?
Percebi que os mortinhos começavam a formar um semicírculo em torno do local em que estávamos. Pai João permanecia calmo e tranqüilo. Quando comecei a comentar a respeito da beleza daquele cemitério, Pai João me chamou a atenção para o que estava se passando. Pude ver, então, um centurião romano, que empunhava um grande chicote fluídico. Dizia lindas palavras em nome de Deus, enquanto seu chicote zunia por entre as sepulturas. Para minha surpresa, vi que muitos espíritos saiam das covas e vinham sentar-se, humildemente, em torno de Pai João. O espetáculo era tão triste, que tive vontade de fugir dali. Pai João me olhou com tanta serenidade, que me acalmei. Ele começou a falar, e seu sermão era tão lindo que me esqueci até de onde me encontrava. Enquanto ele falava, iam se clareando e se desprendendo daquele plano, subindo como se fossem flocos flutuantes. Foi um quadro inesquecível. Logo que ele terminou de falar, comecei a fazer perguntas:
– Por que aquele chicote, meu Pai?
– Com ele o Centurião coletou todo o ectoplasma do ambiente e, ao mesmo tempo, obrigou os espíritos, que se enterraram junto com os seus cadáveres, a sair.
– Espíritos enterrados? – perguntei espantado.
– Sim, Mário, espíritos acrisolados na matéria estacionada, pessoas que morrem não acreditando na vida do espírito, julgam-se enterrados e sua mente obscurecida não percebe o fato de sua existência independente do corpo apodrecido. Todos os dias, os espíritos guardiães, esses benditos missionários dos cemitérios, fazem esse trabalho. Com os chicotes fluídicos reúnem o ectoplasma e impregnam esses espíritos. Assim “encharcados”, eles começam a perceber sua verdadeira situação, e podem entender a doutrina de Pai João. Os que vão ganhando compreensão, vão sendo encaminhados para as Escolas do Espaço, onde são feitos os cartilhamentos de seus destinos. Outra coisa, Mário, que Pai João me explicou: Enquanto brandia seu chicote, o Centurião emitia um silvo agudo, cuja tonalidade despertava as mentes obstruídas. O som, como você sabe, tem uma importante função iniciática.
– Aproveitando o ensejo, Neiva, explique-me esse negócio de fantasmas à meia-noite. É verdade que os espíritos saem, para fazer suas estrepolias, nessa hora?
– Não. Ocorre exatamente o contrário, sendo esse trabalho executado depois da meia-noite, para aproveitar a situação da distância da luz solar, pois os ions do Sol não o permitiriam. Além disso, as atividades dos encarnados também o atrapalhariam. Por outro lado, durante o dia, muitos dos espíritos que ali vivem, saem e andam, indo para junto de seus familiares. À noite, voltam, pois consideram sua residência o local onde está o corpo. Seus Mentores os guiam de volta, cuidando para que, na hora propícia, estejam ali para o tratamento. A lenda da meia-noite talvez se prenda a essa movimentação, pois são muitos os médiuns videntes que ignoram essa situação, e podem ver espíritos caminhando e toda a movimentação nos cemitérios, dando origem a inúmeras estórias de horror. Há outro fato que merece atenção: esse trabalho no cemitério não é tão simples como parece. Imagine a quantidade de espíritos em conflito com os sepultos, e também a ação de exus, como a falange de Omolu, que trabalha com o ectoplasma dos defuntos, além de muitos macumbeiros que realizam seus trabalhos aproveitando as energias ali concentradas. Enfim, toda essa movimentação, esse comércio com o mundo dos mortos! É isso, Mário, essa vida do submundo da mediunidade, que confunde as pessoas e as levam a considerar o Espiritismo como coisa dos mortos e do Diabo. Na verdade, como sempre digo, tudo tem sua razão de ser, sua utilidade. Só não devemos confundir um aspecto da vida fora da matéria, com todo esse maravilhoso conjunto da Criação. Seria como se confundir as usinas de tratamento de lixo, os matadouros, as malocas e as invasões de terra como sendo a cidade, o povo!
Tia Neiva continuou sua narrativa:
Estava ainda assistindo àquele belo espetáculo, porém já pensando em voltar ao meu corpo, quando avistei uma luz que se aproximava de nós, e vi que era o frade. Não sei explicar porque, mas senti uma grande alegria no coração. Ele se dirigiu a mim, sorridente, e disse:
– Filha, sou frei Juvêncio, e hoje recebi minha libertação! Estou seguindo para Deus. Não sei o que me espera, mas o que vier será bom! O que Ele me der, aceitarei feliz!
– É, – disse eu – o senhor sofreu muito, não é verdade?
– Sim, filha, sofri, mas foi uma experiência edif**ante. Tive não só que evoluir meu pai, mas, também, corrigir os erros que cometi.
Disse isso e se aprestou para partir. Pude, então, ver que o pai suicida também se movimentava, e percebi que seu corpo apresentava uma porção de pingos de luz. Intrigada com aquilo, perguntei a Pai João o que eram aqueles pingos.
– Aquilo, minha filha, são as gotas de óleos santos e água benta que o frade empregou no seu pai, quando lhe deu a absolvição. Sim, filha, aquela matéria impregnada com os fluídos do frade é que lhe dão esse aspecto de pingos de luz. Você vê, portanto, minha filha, que tudo são valores aproveitados pela misericórdia divina. Sim, filha, nada se perde em Seu Santo Nome.
Em seguida, Pai João me pediu que fizesse uma prece, pois ainda tinha algo a me mostrar. Logo que me preparei, encaminhamo-nos para uma capela, onde se processava o velório de um recém-desencarnado. Ali estava o ataúde, com o corpo de uma jovem, rodeado pela família, que chorava sua morte. Um rapaz – que podia ser um noivo ou, talvez, um irmão da jovem – debruçado sobre o cadáver, chorava com desespero. Procurei o espírito da moça, mas não pude vê-lo por ali. Pai João me disse que ali só estava o cadáver, tendo o espírito já partido.
– Como, Pai João, o espírito não veio com o cadáver?
É que essa moça era espírita, e soube se preparar para seu desencarne. Terminadas as vinte e quatro horas normais, em que o espírito absorve o charme de seu corpo físico, ela foi encaminhada para Pedra Branca, e não mais voltará para cá…
Interessante???
10 - A Volta dos Ciganos
(E o efeito das Reencarnações)
Surgiam os primeiros raios de sol, prometendo assim uma primavera festiva naquele pequeno povoado, província do Conde Rafael, jovem viúvo e herdeiro que gozava de todos os requintes da corte russa. Tudo prometia àquele belo dia de sol, todos queriam ser acariciados por ele. Foi então que despertou-me também aquela alegria. Oh meu Deus! Começo a lembrar-me como se fosse hoje; lembro-me, lembro-me sim!
Estava ali naquela pequena praça uma linda cigana, que cantava dançando em sua graça ricamente vestida. Que quadro original pensei. Chegando-me mais para perto, pude melhor observar. Alguém então conhecendo foi me explicando: é um magnífico casal de zíngaros, aquele menino é também um pequeno zíngaro, filho deles – percebi logo, e não sei porque cada vez mais chegava-me para perto daquele suntuoso quadro. E ali embevecida não reparei que já estava bem tarde para melhor atender as exigências de meu patrão, o Conde Rafael, pois eu era governanta do Castelo.
Senti que estava atrasada e segui para casa sem perca de tempo. Já estava eu nos meus afazeres domésticos, quando entra desesperado meu adorado patrão, trazendo em seu semblante um quadro de dor. Fui-lhe ao encontro... – que te passas meu filho? (disse eu com a familiaridade que tínhamos) diga, diga o que te passas meu bom menino! Oh minha boa Antera... (continuou ele) sempre foste compreensiva e sincera, diga-me o que devo fazer agora após minha triste atitude...
- Meu filho, que fizeste?
- Sim, foi horrível! Encontrei-me com uma bela cigana e a induzi a seguir-me.
- Oh meu Deus, como pude ser tão cruel, arranquei-a de Augusto, seu esposo e mandei que a trouxessem para aqui com o seu pequeno rebento. Oh minha querida Antera, se pudesse remediar o mal que cometi. Sim, sim, deve haver uma força especial para fazer-me cometer tão ignóbil ato, diga, diga alguma coisa, minha bondosa Antera.
Fiquei parada ali sem nada o que dizer, enquanto pensava mil coisas. Ora veja só, como pode meu Deus! Aquela linda cigana viver agora entre nós, e qual seria o fim de tudo aquilo? Vamos, vamos aonde está essa cigana, disse-lhe por fim.
É verdade, estava ali a cigana e seu filhinho de uns três anos mais ou menos.
- Seja bem vinda a esta casa, linda cigana (disse eu) – Sou a Governanta deste Castelo, para servir-lhe no que desejar.
- Oh (disse ela com graça), como sois boa, senhora... porém, sou uma pobre cigana que pretende servir e não ser servida.
- Verdade? Serviremos mutuamente (disse para arrematar).
Foi então que a criança começou a chorar. – Deve estar com fome (retruquei), e saí para preparar qualquer coisa para ele. Chama-se Yatan (disse a mãe), e desde já entrego-lhe boa senhora, eduque-o nos seus costumes.
Misericórdia, quase gritei de medo, pois as características do pequeno cigano, nada ofereciam de bom.
Passaram-se dias após a chegada desta cigana no Castelo. Foram celebradas as bodas do Conde Rafael e a linda Andaluza, era seu verdadeiro nome.
Tudo já voltava ao seu ritmo normal. A bondade e humildade daquela cigana deslumbrava a todos que a conheciam. Parecia verdadeiramente feliz o lindo casal.
Certa vez voltando de um dos meus giros costumeiros com o pequeno Yatan, deparei-me com Andaluza em frente ao quadro da minha falecida patroa. A princípio, pensei que ela estivesse admirando aquele quadro de tão rico valor, porém com o tempo, observei que chorava. A sala era ampla e de onde estávamos podíamos ali permanecer sem sermos vistos.
O menino olhou para mim e disse: - Antera não faças ruído que assuste minha mamãe, ela lastima-se do lobo que comeu o meu papai... Ah! Sabe, Antera, quando eu crescer e for um homem, matarei todos os lobos até encontrar meu papai. Andaluza virou-se para nós com os olhos rasos d’água e um ligeiro sorriso de amargor. Era verdadeiramente linda, seus cabelos em mechas douradas destacavam em seu rosto oval um par de olhos verdes, caprichosamente rasgados; seus lábios entreabertos exibiam um verdadeiro colar de pérolas de mais rico valor.
Sim, ela havia escutado todo aquele diálogo de seu filho comigo, pois veio ao encontro e pegou-o no colo dizendo: - Pobre filhinho...
- Venha minha querida, venha, quero que saiba tudo que aconteceu comigo e os meus. E arrastando-me para um pequeno sofá perto da lareira, deixou cair seu esbelto corpo e com a linda cabeça dourada no meu colo cerrou os olhos e começou a contar: - Querida Antera... Era uma vez uma infeliz tribo de ciganos, que tinha como Rei um jovem zíngaro por nome Augusto (disse ela fazendo uma pausa e continuando com os olhos semicerrados, como se estivesse sentindo aquela presença do Conde Rafael, que havia entrado e ali tomando o seu lugar em uma cadeira à nossa frente, não contando com o menino presente e bem consciente, esquecíamos dele).
- Sim minha filha, continue... Sei que nos faz bem este terrível segredo de tua formação. Desabafas, e me guias melhor, disse eu, continue minha bela.
- Sim... Augusto chamava-se ele, o nosso Rei! Lembro-me então, tinha eu quatorze anos quando uma velha Profetisa disse à minha mãe que eu haveria de me casar com um Rei de nossa tribo, porque do contrário não seria feliz. Guardei comigo aquela doce revelação. Certo dia quis o destino envolver-me em suas galhofas.
Quando morreu o nosso velho Rei, deixando dois filhos gêmeos na disputa de seu trono, eram Braz e Augusto, um dos dois teria que ser o nosso Rei e um dos dois havia de desposar-me. Houve então a grande disputa, Braz ganhara com todas as pompas; que feliz seria quando esposa de Braz. Oh! Meu Deus, em meu pequeno coração já palpitava o amor de Braz.
No entanto todos ali temiam que Augusto não aceitasse sua derrota, porém eu em minha criancice, não pensava senão no meu amor ao Braz, até que o mau dia chegou. Era bem tarde da noite... Começavam os primeiros sinais do outono, quando uma forte discussão se ouviu lá fora.
Saí de minha barraca a ver o que se passava. Lá estavam Braz e Augusto. Augusto partiria com alguns ciganos ambulantes e deixava Braz com o seu povo. Assim pensei: está tudo resolvido! E qual não foi o meu desgosto ao despertar-me no outro dia a ver-me nas garras de Augusto. Sim, Augusto havia me roubado altas horas da noite sem que eu houvesse despertado. Destino. Oh! Cruel destino... Continuava a bela cigana.
E sem que eu me refizesse daquele susto, foram celebradas as bodas nupciais minhas e de Augusto, tudo estava terminado para mim. Até que certo dia Augusto decidiu chegar até aqui. Era mesmo impossível aquele homem. E por isto de nada valeram os nossos conselhos e nem tão pouco as profecias dos Sábios Profetas. E, portanto tivemos que fazer este triste trajeto em respeito ao nosso caprichoso Rei.
Ah, foi horrível... quando já estávamos no meio do caminho começava a nevar. De um dia para outro estávamos no mais terrível oceano de gelo. Como fazer? Os nossos aquecedores f**aram imprestáveis e a caça muito perigosa. Prefiro não descrever os dias de tortura que passamos aprisionados em nossas barracas. Augusto escondia o alimento e nos dava ração.
Bastante tempo demorou aquela tortura. Foi até que uma noite fomos surpreendidos por uma forte tormenta. Não tivemos tempo para pensar; o vento soprava arrancando as barracas dos lugares num desastre de dor. Oh! Santo Deus! Sem que pudesse nos refazer ou procurar atender aos feridos, famintos animais investiram contra nós. Foi uma verdadeira luta da vida contra a morte...
Oh! Virgem Santa! Detrás de uma barrica que havia rolado, fui testemunha ocular daquele triste cenário. Sim, triste, muito triste. As feras lançando-se contra aqueles desafortunados ciganos, não nos dando tempo para qualquer defesa sequer.
Eram lobos, lobos! Eu os vi! E após todo aquele terror que eu havia registrado. Oh! Meu Deus! Até agora parece-me ouvir os uivos daqueles animais que fugiram levando suas vítimas na imensidão daquela trágica noite. É verdade, estava eu ali, não havia sonhado.
Corri os olhos ao redor, vi que tudo havia sido destruído e que apenas restavam eu e Augusto. Tudo, tudo acabado. Dizia a cigana, como se estivesse vivendo outra vez aquele drama tão triste e até então desconhecido para mim e ao Conde Rafael, e sem que pudéssemos impedi-la, continuou:
- Ah, foi horrível!... E muito rápido, sentia agora uma forte dor na cabeça, quando um grito rouco de alguém que me chamava: Andaluza, Andaluza... em seguida quis responder, mas a voz não me saía, estava petrif**ada; o único sinal de vida era aquela terrível dor de cabeça e ali talvez tenha adormecido. Acordei com os gritos de Augusto novamente, já não me chamava, mais parecia um louco; corri para perto dele quando tropecei em alguma coisa, abaixei-me para ver, oh! Meu Deus, eram os restos de Calaça, minha querida protetora. Quantas vezes as chibatadas que Augusto me lançava ela as enfrentava por amor a mim... Estava eu ali, com o meu triste destino, tudo, tudo infelizmente era verdadeiro!
Não sei por quanto tempo passamos abraçados eu e Augusto, com medo de olharmos ao redor. Após algum tempo ele balbuciou: Luza, querida, que nos resta fazer?
Esperarmos a nossa vez! Respondi pressentindo novas desgraças.
Passamos desgraçadamente dois dias, dentro do carroção que havia f**ado de pé. Augusto desesperado pagava um preço exorbitante de sua perversidade. Nada nos restava senão esperar a triste morte. Odiava Augusto com toda a força do meu coração.
Já não podia suportar aquela terrível espera, resolvi então matar Augusto e a mim, depois de livre o meu Espírito, correr, correr até encontrar a minha querida Calaça. Sim, apalpei o punhal que trazia no seio, Augusto dormia com pesadelos, gemendo e virando-se de vez em quando de um lado para o outro. Será agora, pensei... Empunhando com toda força o meu pequeno punhal. Augusto estava agora calmo, sua camisa desabotoada exibia no seu peito forte o medalhão; emblema da saudosa tribo dos Katshimoshy; comecei a fitá-lo, como se os meus olhos estivessem pregados sobre aquela jóia tradicional dos Katshimoshy, o que estava acontecendo e o que aconteceria quando soubessem do triste final de Augusto e o seu povo? – Meu Deus, não f**ara ninguém que possa contar esta triste história, porque eu matarei Augusto, matar-me-ei logo depois e correrei em busca de minha querida Calaça...
Augusto parecia que desafiava-me respirando profundamente. Levantei o braço decidida a sangra-lo quando ouvi uma voz familiar: - Luza, minha filha, pelo amor de Deus, como o desespero a fez cruel!... Não tens respeito às relíquias dos profetas Katshimoshy? Não temes os seus encantos? Olha minha filha, bem perto daqui habitam pequenos seres selvagens, que bem poderão ser dominados. Tu és loira e bonita, e eu te preparei com os encantos dos Katshimoshy, Augusto não precisa, pois já os tem (olhei em seu peito reluzia o encantado emblema). Disse afinal: Oh, quem dera não estar delirando!... Calaça continuou: Não estás delirando, aqui estou em Espírito e Verdade. Não crês nas manifestações dos Espíritos? Nas revelações dos Profetas? Pois bem, eu te darei uma prova. Desapareceu após dizer isto. E eu como se estivesse sonhando, despertei.
Porém, sem o mínimo desejo de matar aquele que seria em breve o pai de meu filho.
Debrucei sobre o seu peito e chorei por longo tempo.
Augusto sem nada desconfiar acordou e começou a acariciar-me. Comecei a perceber, então eram os fenômenos de Calaça, que haviam me transformado daquela maneira. Augusto me apertava contra o peito cada vez mais e eu pela primeira vez admiti sem nenhuma recusa íntima.
Calaça sempre boa a mostrar-nos bons caminhos, apesar de desencarnada, estava ali, ajudando-nos a enfrentar tão terrível destino. Grande culpa a de Augusto.
Depois deste meu encontro com Calaça, senti uma grande vontade de viver.
Certo dia, Augusto decidiu sair por aqueles arredores, deixando-me só na barraca. Ocupei-me dos meus poucos afazeres, quando gritos estranhos me sobressaltaram, e vi pequenos homens selvagens que se arremessavam contra a porta de minha infeliz “casa”, senti neste instante uma força suprema percorrer todo o meu corpo, como se nada temesse daqueles pequenos seres, abri a porta e na soleira esperei, desafiando aquela pequena tribo.
Na proporção que eles vinham chegando eu pensei mil coisas, pensava em Calaça, pensava também que já era a minha feliz hora; feliz sim, porque eu a esperava como libertação do meu Espírito. Olhei ao longe e vi Augusto que talvez atraído pelos gritos vinha correndo em nossa direção. Mas, os pequenos homens estancaram à minha frente e um deles ordenou que me pegassem e puxaram-me à frente do pequeno grupo.
Não reagi, nem tampouco manifestou-me desejos de lavar algum objeto de minha barraca, ao contrário, desejava esquecer tudo, esquecer o meu passado, mesmo que o meu infeliz destino naquele instante estivesse a gargalhar de mim.
Os pequenos homens continuavam com os seus gritos, porém, não me assustavam, não me davam o menor medo sequer e eu olhava Augusto que corria. A sensação de que ele não nos alcançava dava-me mais paz. Os homens caminhavam quase correndo. Quando já havíamos percorrido um enorme trecho fomos tomados por uma terrível tormenta; o vento nos fazia medo. Desabamentos, vales, tudo queria impedir o nosso caminho, porém os pequenos homens faziam-me ver que eram peritos naquelas zonas tempestuosas. Fui então cansando-me da viagem; a minha cabeça rodava, parei e logo em seguida senti que alguém me carregava. Quando acordei estava recostada numa pequena cama que mal me cabia e muitas mulheres ao meu redor, umas pegavam nos meus cabelos, outras mediam suas mãos com as minhas. Pensei então: devem estar achando-me muito grande; observei que elas ou eles só eram amáveis comigo quando eu sorria.
Ofereciam-me peixe, pois era sua comida mais fácil. Era também visitada por todos da aldeia, sim, era um povoado com hábitos selvagens.
Oito dias mais ou menos se passaram, quando na entrada da aldeia os pequenos guerreiros anunciavam a chegada de um estrangeiro. Fiquei lívida, só podia ser Augusto, corri para lá e acenei que aquele estrangeiro era meu marido, os homenzinhos deixaram então que entrasse. Foi fácil para Augusto sintonizar-se com aqueles homens. Augusto contou toda nossa história mentindo a seu regalo; mostrou a toda tribo o emblema dos Reis Katshimoshy, e eles também nos apresentaram seus costumes. E seu povo, dizendo-nos serem caçadores, Lapões era o nome de sua tribo. Vivemos ali por dois longos anos mais ou menos. Eles nos adoravam, inclusive o meu filho Yatan que veio a nascer naquela longínqua tribo. Oh! Meu Deus. O fenômeno de Calaça, o grande fenômeno, fez-me feliz depois de tantas desgraças. Partimos dali, eu, Augusto e meu filho.
Lindas peles trocamos nos mercados por agasalhos e moedas. Sofremos muito no longo e penoso tráfego até aqui. Uma noite antes de entrarmos nesta província, fui surpreendida novamente por Calaça, sonhei que ela me dizia: - Luza, chegarás amanhã na província de um Conde viúvo que te desposará com as leis da Côrte, amanhã aos primeiros raios do sol anunciarão a primavera para o começo de tua liberdade. Cante exibindo a tua graça. Adeus, minha Luza querida. Mesmo em sonho quis puxar a sua saia para impedir que fosse; qual nada, desapareceu diante dos meus olhos. Chorei descompassadamente e logo que o dia amanheceu contei a Augusto o meu triste sonho, sim, e qual não foi a minha surpresa, Augusto sorriu dizendo: - Veja só, se isto fosse verdadeiro eu não sei como agradeceria àquela víbora daquela Calaça, a livrar-me de você, seria um prêmio e eu não o mereço, por Deus. Oh, gritei, chega! Calaça não é víbora, minha querida Calaça, vítima de tua ignorante teimosia. Augusto dava gargalhadas que me davam medo. Foi então que nos demos conta da profecia de Calaça.
E depois de contar toda sua história, a bela cigana deu um salto espreguiçando seu esbelto corpo, balançou sua linda cabeça loira e disse: É tudo o que fui e que sou.
Rafael levantou-se e segurando-a pela cintura, beijou-lhe a testa. Depois chamou um criado ordenando-lhe que trouxesse o Brasão e chegando eu o vi colocar aos pés de sua esposa cigana e qual não foi a nossa surpresa; a cigana segurou aquele rico estojo e depois com os olhos rasos d’água devolveu ao Conde, seu esposo, dizendo que a uma cigana não eram permitidos luxos daquela natureza. Se ela aceitasse estava violando as tradições daquela nobreza. Colheste-me do lodo, amo-te em agradecimento, deste-me a paz e por isto não pretendo enlodar o que de puro encontro nesta nobreza, viverei como uma cigana, respeitando as normas dos Katshimoshy, do contrário Calaça não me trará as bênçãos de Deus, e disse mais: Calaça sabe tudo...
Rafael sorriu, gostando da humildade da cigana, porém eu observei muito o menino com os olhos no estojo, que bem se podia ler seus pensamentos.
Depois destes esclarecimentos parecíamos viver melhor, mesmo notando a aproximação dos ciganos nas imediações do Castelo, lembro-me também de haver tirado o menino muitas vezes do quarto, onde era guardado o Brasão.
Andaluza já estava calma e até parecia feliz. Se tudo ocorresse normalmente, dentro de três meses daria a luz a uma criança. Rafael muito feliz esperava a chegada do filho que seria seu primogênito. Porém o nosso infeliz destino já estava ligado à inditosa cigana. O tempo corria e o menino cada vez mais f**ava pior, mal educado e por muitas vezes desaparecia sem que ninguém desse notícias, depois chegava contando coisas que não acreditávamos.
Certa manhã passamos um grande susto, foi encontrado um cigano no pátio do Castelo, um jovem cigano agonizante, os criados correram de um lado para outro procurando socorre-lo, quando um grito agudo nos fez virar, era Andaluza que nos dava prova de seu imortal apego aos seus antecedentes.
É verdade, a bela cigana curvou-se com carinho e procurava reanimar aquele corpo quase sem vida, enquanto, ao mesmo tempo, dizia: Oh, meu pobre irmão Nardo, Nardo, como chegastes até aqui? O que foi feito do nosso querido povo? Ao balbuciar o pobre rapaz disse: Venho falar contigo, venho de Braz... Braz o nosso Rei, pede para você dar uma chegadinha até lá, porque maus agouros pairam sobre tua cabeça, não tarde Luza. A cigana meio confusa pediu que os criados saíssem dali e quando fui retirar-me ela me deteve dizendo que eu era a sua segunda pessoa. Cuidamos do cigano fazendo com que ele logo se restabelecesse. E foi com grande surpresa e desespero que os vi contratando o momento daquela trágica fuga.
Oh! Meu Deus! Como sofri quando a cigana com os seus olhos tristes me disse: Antera querida, tenho que partir para ouvir os conselhos dos Profetas e suas santas ordens, serei amaldiçoada se não for eu mesma ao grande batismo, vede querida, não tenho a proteção dos Katshimoshy. E mostrando o grande escudo no peito do jovem cigano, repetia: Eu não tenho como não terei também a proteção de Calaça e do meu Rei.
Não, não! Tive forças para lhe dizer: Minha senhora querida, esta jóia é a superstição dos zíngaros, já não lhe f**a bem usa-la; por conseguinte sei que és bastante prudente para não fazer semelhante viagem, deixando o seu apaixonado esposo; que tanto sacrificou à sociedade de seu condado. E em que posição a senhora me deixará com meu pobre patrão. Antera, disse-me ela, jamais praticarei atos que possam vir a desabonar este condado, como também não deixarei em hipótese alguma de atender ao chamado de meu Rei. Se Rafael me ama compreenderá a minha tradicional alma cigana e tu Antera, (completou) darás as desculpas que te convier.
E com a rapidez de um sonho, dirigiu-se para a estrebaria com o jovem cigano e em seguida partiram dali.
Fiquei ali parada, não sei por quanto tempo pensando como ia se portar o meu pobre patrão. Sim, foi tudo muito rápido. E qual não foi minha surpresa, pois logo que me refiz, fui dar a triste notícia ao Conde, meu patrão, e ele com um sorriso triste me disse:
- Querida Antera, esta tua notícia não me surpreende, estamos em um mundo de provações para uma evolução, devemos dar graças a Deus por Ele nos corrigir sempre que erramos, e eu sinto que fui corrigido, não respeitando as normas dos ciganos, a fiz minha esposa, e sei que naturalmente lhe foi doloroso desrespeitar as leis de sua crença cigana, pois afinal de contas foram celebradas suas bodas com Augusto, entre os encantos de suas Pitonisas e de fanáticos rituais. No entanto a pobrezinha não se rebelou e, muito ao contrário, vem nos cativando com sua Humildade e Amor.
E fazendo mais esta observação, o Conde Rafael continuou: Vede Antera! Nem mesmo o Brasão ela desejou toca-lo. Senti um calafrio percorrendo meu corpo, o Brasão.
Onde estará? Eu não o tenho visto no respectivo lugar... meu Deus! O Conde notando minha palidez disse:
Antera, o que tens? Escondes de mim alguma coisa a mais?
Não, lhe disse. É que estou cansada, devo descansar um pouco, se me permite.
Vai minha boa Antera, seria egoísmo meu segura-la agora. E dizendo mais, arrematou: Além do mais e como já disse, não mereço ser consolado se estou a pagar um delito que provoquei, talvez sem raciocinar.
Passaram-se mais ou menos quinze dias que a cigana havia partido. Tudo era tristeza, repartia bem o meu tempo disponível procurando distrair meu pobre patrão, que sem reclamar sofria sua grande dor. Todas as tentativas que fazíamos nas pegadas dos ciganos foram totalmente perdidas; ninguém dava notícias, ninguém sabia seu paradeiro. Cada dia mais tristes ficávamos, já sem esperanças.
Da sacada do Castelo onde estávamos, avistei o pequeno Yatan, que montado a galope de um fogoso cavalo vinha em nossa direção. O Conde Rafael levantou-se e juntos precipitamos, prevendo a grande desgraça que os nossos olhos presenciaram: após segundos, sem nos dar tempo de nada, o cavalo perdera o equilíbrio jogando o pequeno ao solo. Desacordado, com uma fratura na cabeça, perdendo uma quantidade incalculável de sangue.
Peguei sem perca de tempo o pequeno nos braços e pedi que providenciassem um médico. Fazia compaixão o estado de abatimento do Conde, não se retirava da cabeceira do pequeno enfermo.
Após mais ou menos três dias, o menino começou a falar chamando pela sua mamãe, às vezes com palavras desconexas, nos preocupava cada vez mais com o seu estado de saúde. E por mais que procurássemos agrada-lo, mais parecia odiar-nos.
Já bem tarde da noite deixei o quarto do enfermo para descansar, e passando no quarto da minha fugitiva patroa, escutei um gemido e qual não foi o meu pavor; fiquei petrif**ada alguns segundos e como cada vez mais iam aumentando, voltei correndo para junto do meu patrão, explicando o que ouvira. Alarmado com isso, disse não ter coragem de ir até lá sozinho. Mandou chamar Kazú, uma jovem servidora, dizendo que permanecesse no quarto junto ao pequeno enfermo, sem descuidar um só minuto sua vigilância.
Kazú era uma criatura temperamental que vivia a salientar-se por todos os cantos do Castelo, muito preguiçosa, porém, apesar de suas características indesejadas, não havíamos identif**ado o roubo.
Saindo para vermos os gemidos, qual não foi o nosso espanto. Encontramos a cigana em estado cataléptico de um lado e uma linda criança recém-nascida do outro. Não tivemos tempo a perder e esquecendo de tudo providenciamos médico e em seguida uma ama para a pequena prematura.
O dia havia amanhecido quando deixei o meu patrão recebendo algumas explicações da cigana, que com palavras firmes vivia o seu enredo.
- Querido Rafael, somos descendentes dos nômades, e sob o poder do Espírito Imortal dos Katshimoshy, juramos nas fogueiras colocar as nossas oferendas, por conseguinte, qualquer que tenha coincidentemente incorporado neste Ritual Cabalístico. Este juramento é considerado o elo de uma Corrente Salvadora, Poderosa e Imortal. Compreenda Rafael, eu sou um elo desta Corrente, jamais te farei infeliz; amo-te e não desejo viver longe deste Castelo, cumpri a minha penosa missão. Perdoa-me, por piedade. A minha pobre mãezinha desejava me ver.
Por quê não me pediu para que eu a levasse? Disse o Conde.
Ah! Continuou a cigana. Para não te deixar em dificuldades. O povo de Braz estava prestes a vir arrancar-me daqui. Não sabeis a intriga que fez Augusto, procurando com isto desculpar-se da grande desgraça da sua culpa, foi por isto que tive de correr para impedir outra armadilha do infeliz Augusto.
- Ah! Se soubesses como te amo e como me foi doloroso este meu comportamento. Encontrei a minha pobre mãe muito mal. Etelvina, a Profetisa oficial da tribo, profetizou os mais terríveis acontecimentos e tudo sobre mim.
Disse que tu meu querido Rafael, com toda tua indulgência para comigo, chegará o dia de acusar-me da mais vil calúnia e como ladra. Atirar-me-ia nas ruas exigindo que eu volte à tribo onde eu morrerei de saudades tuas. E logo após tudo isto, desatou em soluços de quem realmente está amargurada por uma louca e desabalada desilusão.
Oh! Minha querida, como pude duvidar de ti? Como se atreve esta Profetisa e que mal a fiz para ver-me tão vil, tão avarento a ponto de caluniar-te como ladra do teu próprio tesouro? Sim minha querida, és minha verdadeira herdeira de tudo quanto possuo. (Depois sorrindo para a recém-nascida) Agora será repartido com minha segunda sócia, não é mesmo querida? Não pense mais nessas tolices!
Oh! Disse a cigana, se me fosse possível esquecer que nada sinto, que os nossos Espíritos Imortais comprometeram-se no passado e, um grande débito eu terei que pagar-te antes de fugir daqui novamente, para novos mundos.
- Feito, e eu cobrar-te-ei em dobro, como tu, sinto que me deves um profundo amor e exijo ser pago! Quanto a tua partida, aconselho levar-me contigo pelas tuas concepções ou formações religiosas. Vejo que tens mais facilidades com estes transportes. Sempre gracejando, o Conde arrematou: Nunca vi tanta coragem, quando estiveres melhor, desejo que me ensines esta doce filosofia.
- Se Olga, minha usurária irmã souber de tais profecias, irá imediatamente aos pés daquela cigana profetisa.
- Oh! (gritou a cigana, chegando a assustar o Conde) Olga? Olga? Etelvina falou-me de Olga.
Sim! (respondeu ainda o Conde) Olga, minha irmã! Pois minha mãe encontrou-a à beira de um lago, era filha de um zelador da pequena mansão cujos donos morreram, uma fatalidade do seu destino, foi quando meu irmãozinho Hidelbrando foi salvo por ela naquele lago. Minha mãe a fez nossa irmã. Olga que sempre fora insatisfeita, apaixonou-se por mim a ponto de julgarmos que a morte da mamãe foi provocada por este grande desgosto. Olga fez todos sofrerem quando comprometi-me com Matusca, que morreu há dois anos, deixando-me viúvo e nem sequer um filho para que eu tivesse recordação do nosso casamento.
Dizem as pessoas supersticiosas que Olga se influenciava com feiticeiros e pitonisas para destruir a mim e Matusca. Não acredito que os feiticeiros tivessem tanta influência nos destinos ou desígnios de Deus. Vê, minha querida, se assim eu acreditasse em tamanho desafio, mandaria juntar todos os feiticeiros e pitonisas em uma tenda, fazendo o mais poderoso mecanismo e depois ordenaria aos mesmos fazer com que o coração da minha linda esposa cigana fosse puro de qualquer superstição. A respeito principalmente do Espírito Imortal. Disse ela: Vejo meu marido, que te falta compreensão dos fatos que vêm ocorrendo dia a dia, porém já me pedistes aulas de filosofia, não tardarei em dar o diploma ao meu Conde marido. Espero que não seja diploma de feiticeiro. Sim, também tenho tarimba (acrescentou, rindo os dois).
Vendo a compreensão daqueles dois, dei graças a Deus e fui dormir um pouco.
Apesar de preocupada com o pequeno Yatan, ao passar dos dias tudo percorreu na graça de Deus, até que chegou o dia da festa de São Petersburgo.
Começaram os grandes preparativos, o Imperador mandou que abrisse os portões para os estrangeiros e nômades, enfim, só se ouvia o tinir de guizos e passos de animais, nas ruas fogueiras enormes, danças e algazarras.
Para mim e meu patrão Rafael não havia alegria, ao contrário, nos sentíamos em perigo porque os ciganos com seus enormes cavalos enfeitados de fita pareciam desafiar até mesmo a própria natureza. E para o nosso maior receio, os ciganos que mais realçavam eram da tribo de Andaluza, pois em seus cavalos fogosos, mais pareciam príncipes encantados das antigas lendas.
Foi até que o nosso mau presságio confirmou-se.
Estávamos tomando chá, mais ou menos às duas horas da tarde, quando Kazú veio anunciar a chegada de duas formosas ciganas, que depois vim a saber serem Etelvina e Zaida. Etelvina a Profetisa da Tribo dos Katshimoshy, verdadeiramente simpática.
Andaluza mandou que entrassem e sem nenhum embaraço, apresentou-nos o Conde Rafael e eu. Fizemos tudo para nos tornarmos os melhores hospitaleiros. Zaida sempre abraçada a Andaluza, disse que naquela noite iria cantar para o Imperador no pátio do Grande Palácio e assim dizendo, saiu cantando e dançando com todos os encantos dos seus dezoito anos. Andaluza que não resistiu a tentação daquela dança, acompanhou-a e no amplo salão formaram a mais linda dupla.
Rafael ficou tão emocionado que franqueou o Castelo não só àquelas ciganas, como também a outros que estivessem com elas.
Tudo correu bem, até que à noite voltassem da grande festa. Só eu havia f**ado tomando conta das crianças, pois entretida com a pequena herdeira não reparei que o pequeno Yatan havia desaparecido.
Chamamos a criadagem e um jovem por nome Tucem nos disse que havia visto o pequeno Yatan, em companhia de Kazú, que seduzida por um jovem zíngaro, haviam dito que só voltariam no outro dia, pois pretendiam passar a noite com o seu amor cigano.
O Conde Rafael, que estava ainda cheio de euforia da magníf**a noitada com as ciganas na casa do Imperador, pouca importância deu ao desaparecimento do menino. E logo depois reunindo no salão as convidadas, pediu-me que fosse até o cofre e trouxesse o Brasão, pois desejava mostrar às ciganas a rica jóia que sua querida esposa havia rejeitado.
Oh! Meu Deus! Que horror, lembro-me como se fosse hoje, quando abri o cofre o ma***to Brasão não estava.
Foi um verdadeiro alarme, os criados garantiram não ter entrado ninguém no Castelo, e todos insinuavam ser Kazú, pois a viram fugir com embrulhos grandes nos braços.
O Conde Rafael terrivelmente agitado gritava, dando ordens que trouxessem Kazú de qualquer forma ao Castelo.
A pobre Andaluza abatida, pobrezinha, levantava-se algumas vezes e falava ao seu esposo palavras de conformação. Os Cavaleiros vinham e voltavam sem qualquer notícia da servidora Kazú.
Com muito carinho, Andaluza conseguiu que o seu esposo se recolhesse aos seus aposentos. O dia já amanhecia, as três ciganas pareciam mais tristes, como se previssem a total desgraça profetizada para nós.
Etelvina, vê onde se encontra esta rica jóia, disse Zaida. Etelvina sacudiu todo seu corpo, proferiu coisas desconexas para mim, depois, depois como se passasse por um processo habitual, começou a dizer:
- Luza querida, as forças estão afastando-se de ti. Yatan, o teu filho, neste instante coloca sobre Augusto esta jóia que é o Brasão, instrumento de terríveis desgraças.
- Meu filho! Meu filhinho, de apenas cinco anos de idade?...
- Sim, continuou a Profetisa. Ele, Augusto, vem sempre ensinando o filho para este nefasto roubo. A cigana continuava suas tristes revelações enquanto nós outras gemíamos de dor. Depois com o dedo indicador apontando para mim, disse: Querida Antera, eu sou Calaça, sou o Espírito que perdeu o seu corpo pelos lobos famintos. Amo-te Antera, por ver-te tão dedicada à minha desventurada Luza, não me temas, porque dentro de pouco estarás comigo. A desventura paira sobre este Castelo, a Justiça e o Poder de Deus terá muito em breve sua força para a evolução e melhor libertar o Espírito de Luza. Luza, antiga Czarina, terá que carregar a Cruz Simbólica do Cristo, para safar-se do egoísmo, poder este do sanguinário Império Romano... Adeus... Não me queiram mal... Voltarei muito em breve. Depois como se estivesse cumprindo uma séria missão tomou então sua posição antiga.
Corri para a copa e trouxe alguma coisa quente, que não me lembro mais. Os criados haviam espalhado por toda parte a notícia do desaparecimento do Brasão.
A Condessa Olga logo que soube de tal notícia veio correndo ao Castelo. A sua visita indesejada nos fazia mal, principalmente no estado de angústia que nos encontrávamos. As duas ciganas solidárias a Andaluza, não quiseram mais saber das festas e nem tampouco afastaram-se do Castelo.
A Condessa Olga, depois dos cumprimentos habituais, chamou Rafael para um canto da sala e começou a falar:
- Oh meu querido mano... Lastimo ver-te em tão incorrigível situação, de se casar com uma nômade está certo... Enfim, é o teu impensado amor. Mas, ter em casa toda tribo... Ah!... Jamais aceitaria, isto é indigno de ti... Este povo está te hipnotizando, não é possível! E assim dizia enxugando as lágrimas, como se realmente estivesse desesperada, e eu que bem conhecia a Condessa arremessei-me para ela e disse:
- Cara Condessa, não admito por hipótese nenhuma que a senhora saia do seu Castelo para vir aqui nos perturbar, o Brasão não te pertence mais e nem tampouco ao Conde Rafael. Ele casou-se com Andaluza e neste Castelo quem manda é ela, o Brasão pertence a ela por tradição e para que ele nunca fosse parar nas tuas mãos imundas, criminosas, eu roubei e mandei levar para a Tribo dos Katshimoshy. (E como se eu conhecesse os processos de Etelvina, continuava) Criminosa, mataste a duas santas criaturas. Mataste com aquela erva daninha a pobre e indefesa Matusca, e com a mesma assassinaste também a Baronesa Yuca Santa, que te deu o Condado e te livrou da fome e da desgraça e, por último com medo do teu cúmplice mandaste surrar e expulsar da cidade, porém Deus não esconde por muito tempo as nossas perversidades. Sei onde, todo aleijado, resiste ainda o infeliz Yochim, arrependido dos seus crimes trabalha hoje pela sobrevivência. No entanto a senhora armou-se de suas forças satânicas, e veio para destruir a nossa Cigana Condessa. Não! Esta a senhora não destruirá!
Aquela criança que ali está é a herdeira do Conde Rafael, tua vítima. Aquela criança é a luz que ilumina este Castelo. Somos todos felizes, não precisamos da senhora e tampouco dos seus conselhos. E assim completei e quando dei conta de tudo, vi que todos estavam tão surpresos que não tinham pernas para saírem dos seus lugares.
- Antera, disse o Conde Rafael, Antera, como se atreve a tanto; testemunhas o que acabas de dizer?...
- Sim, meu patrão, perdoe-me... Não lhe disse há mais tempo pois quando fiquei sabendo, esta infeliz já havia matado minhas patroinhas queridas.
- Meu Deus! Não sabes que o Brazão pertence à Andaluza, como se explica terrível injustiça? Kazú está amarrada na praça de diversões para ser executada à noite, para pagar o crime que não cometeu.
Andaluza resmungou em pranto: Meu Deus, a maldição dos Espíritos ronda este Castelo!
- Etelvina, Etelvina, que farei para reparar tudo isto? Enlouquecerei se não tiveres piedade de mim... Não minha querida Andaluza, nada tens a temer... Disse o Conde procurando acalmar sua esposa. Rafael! Se souberes a verdade de tudo isto, odiar-me-ia, é tudo tão monstruoso.
- Como?... (gritou por fim Rafael sem entender) Como?... Por todos os diabos, estarás aliada com Antera, tramando infelicidades... Esqueces que tu e Antera são as únicas criaturas que amo! Oh! Minha Andaluza querida, vamos juntos perdoar o nefando erro de Antera, pelo amor do Grande Deus se isente deste roubo, não é digno de uma Condessa (até esse momento o Conde Rafael nada sabia sobre a atitude de Yatan).
Andaluza foi ao encontro de Antera e disse em soluços:
- Oh minha boa Antera, por piedade tenhas pena de mim, porque condenastes a ti mesma?
Fiz pelo meu patrãozinho, sei que se saíres deste Castelo ele morrerá e também eu. Odeio a Condessa Olga! Tudo era tão confuso que ninguém entendia nada a não ser eu e Etelvina com a sua Clarividência.
A Condessa Olga espraguejando deixou o Castelo.
Os ciganos também se foram. Agora restava-nos os três oprimidos pelo terrível acontecimento; o menino não apareceu. Agora tudo era tristeza, Kazú fora queimada como ladra, comecei então a sentir certas anormalidades, pensei queixar-me para ser vista por um médico, mas qual nada, os meus sintomas anormais tomavam-me com mais freqüência, a ponto de eu não mais poder falar. Uma espessa nebulosa tomava totalmente minha visão e em continuidade percebi uma sensação de leveza, ouvia como um sussurro palavras desconexas, como sendo: Oh! Pobre Antera, está morta! Ouvi também a voz querida do meu patrão: Morreu, minha Antera, a querida criatura que tanto me compreendia.
Até que fui levada dali pelas forças magnéticas do astral. Após submetida aos processos espirituais que não sei por quanto tempo, voltei a minha visual atual; sentia agora uma louca e inexplicável saudade da vida cotidiana da Terra.
Germano, o meu luminoso Mentor, explicava minha futura missão na Terra, porém o meu Espírito incompreendido e culpado não quis esperar pela benevolência das Leis, e com a facilidade do meu livre arbítrio, desprezei as cadeias benditas e voltei ao atraso nos carreiros terrenos.
Era uma bela madrugada quando o meu Mentor trouxe-me novamente à Terra. Antera! Disse-me: Voltarás aos labores terrenos, terás oportunidade novamente junto aos seus familiares. Cuidado com o teu Padrão Vibratório e com os teus julgamentos.
O sol começava a aparecer aos primeiros raios, quando avistei os portões do Castelo. E com tristeza foi que descobri a fraqueza de meu Espírito, reparei que não estava preparada, pois voltavam todos os instintos de vingar-me da Condessa Olga. E por mais que eu lutasse contra os maus impulsos, nada conseguia senão aumenta-los.
Germano, o meu bom guia, deixou-me à mercê de minha consciência. Estava ali o suntuoso Castelo do meu querido patrão. Tive então a mais triste surpresa: O Conde havia morrido, a cigana sua esposa estava desaparecida, e agora a Condessa Olga era a dona de tudo. Sim, até que Hildebrando chegasse de outros países, onde vivia levando sua vida boêmia, pois sendo o único irmão do Conde Rafael, seria ele o dono de tudo.
Estava eu agora naquele casarão sem nada o que fazer, apenas me acrisolando na aura da Condessa Olga... Quando já estava me preparando para deixar o Castelo, senti que as coisas estavam mudando de sintonia, voltei então e comecei a sentir a presença da cigana e me desesperei, comecei a invocar o meu Mentor, mas ele não aparecia.
Compreendi que o meu ódio pela Condessa Olga só fizera me embrutecer. Foi então que eu vi Andaluza caminhando sem destino. Chamei-a e ela ouviu, e que satisfação! Andaluza disse tristonha:
Querida Antera, não sabes a desgraça que nos causou o infeliz Brasão, tu minha boa Antera, morreu deixando-me no mais terrível desespero, sabias que Yatan meu filho havia roubado-º Morreu a infeliz Kazú e ele, Yatan, desapareceu. Foi então que desesperada corri para o meu bando a ver o que me dizia os Profetas de Braz, então Rafael sabendo disso saiu desesperado com os seus guardas e lá me encontraram. Mas, eu não quis mais voltar, a vergonha era demais; na verdade eu queria viver ao lado do meu esposo, mas, era mãe de um ladrão que podia ser sacrif**ado na fogueira. Oh Antera, foi horrível! Rafael saiu desesperado dali, sem me dar tempo de explicar. Depois f**amos sabendo que ele morrera, mas não foi encontrado o corpo dele.
- E tu? Perguntei. Ela baixou os olhos e depois continuou: Fiquei vivendo com os meus, temendo sempre Augusto, não dançava e não cantava. Certo dia estava à margem do rio onde Rafael foi visto pela última vez, quando um braço forte me puxou, me dando uma forte pancada na cabeça e trouxeram-me até aqui, onde estou prisioneira. Disse-me a Condessa Olga que o meu povo me considera morta segundo as minhas vestes encontradas... tudo foi tão bem feito!
- E as tuas Profetisas, por que não contam?
- Sim! Elas já disseram que eu vivo, mas não sabem onde. E eu estou ali, naquele armário.
- Oh! Gritei, compreendo, o teu corpo dorme, meu Deus! O que poderei fazer por ti? Minha querida Luza. Enquanto me lamentava ouvi uma forte pancada, era Gregória, a Governanta, que esmurrava o armário para acordar Luza a cigana, que também em um segundo desapareceu.
E quando a porta abriu-se, foi terrível, aquele corpo esbelto agora era o símbolo da dor, pálida e amedrontada.
E no auge do meu desespero, veio então Germano, que logo foi me explicar: Antera, se desejas fazer alguma coisa pela tua cigana, afasta-te dela. Estes ciganos estão em prova para a nova evolução. Vieram do Império dos Césares de Roma. E depois acrescentou: Também tu e todos os descendentes deste Castelo... Porque fugistes dos ensinamentos? Porque não te interessavas em aprender as Leis? Nada nos foi possível fazer pela sua teimosia. Agora estás destinada a passar o que der e vier; é verdade que terias de voltar e cumprir o teu carma, porém nunca assim.
Salve Deus! Que esses ensinamentos sejam promissores!
Com carinho,
A Mãe em Cristo.