AntropoUrbes
Consultoria, Pesquisa e Tendências em Urbanismo centrado no ser humano
Como já sabemos, Barcelona formava parte do Império Romano e, como toda cidade romana, possuía uma infraestrutura hidráulica bem desenvolvida, como aquedutos, fontes, domus. Porém, com a queda do Império Romano, essas estruturas hidráulicas também entram em colapso. A cidade começa a distribuir água potável através de poços e do Rec Comtal – um canal que levou água a Barcelona por quase mil anos.
No final do século XIII e início do século XIV, Barcelona não contava apenas com poços, mas começou a desenvolver seu sistema de distribuição de água potável, também através de fontes – foi até criado um cargo, em 1414, para quem as projetava: o de maestro das fontes.
Contudo, o grande problema delas era a sua manutenção, em razão do grande número de obstruções que aconteciam e ocasionavam problemas de escassez. A localização das fontes privilegiava os edifícios institucionais e religiosos, bem como estavam distribuídas, sobretudo, no centro da cidade, deixando de fora, num primeiro momento, bairros como o El Raval e Las Ramblas.
A polis grega traz à história da cidade novos conceitos e configurações urbanas. O primeiro deles, é o das cidades-Estado, independentes entre si, sem a presença de zonas fechadas – como vimos até o momento. Em alguns exemplos, pode haver cidades muradas, mas a compartimentação nas residências que havia até o momento, não é vista na cidade grega. Ela é livre, palco da democracia.
De modo geral, a cidade na Grécia é dividida em cidade alta - a acrópole - onde f**am os templos dos deuses e serve de refúgio para defesa e a cidade baixa - a astu - onde acontecem o comércio e as relações civis.
A cidade grega se divide em áreas privadas, áreas sagradas e áreas públicas – estas últimas destinadas às reuniões políticas, comércio, teatro e práticas esportivas. É válido ressaltar também o destaque dado aos templos na paisagem, não pelo tamanho, mas pela qualidade arquitetônica, bem como a implantação dos edifícios com poucas intervenções na natureza.
Em suma, a cidade grega pode ser resumida como exemplos de unidade, articulação, equilíbrio com a natureza e limite de crescimento. Nos próximos posts, vamos nos aprofundar nas principais cidades da Grécia e suas características.
Grande parte das maiores cidades do mundo carecem de locais públicos de permanência – que são locais onde não apenas passamos, mas permanecemos, nos sentamos para relaxar, para ver a vida acontecendo. Jan Gehl, autor do livro “Cidades para Pessoas”, categoriza as atividades que acontecem no espaço urbano assim:
1. Atividades obrigatoriamente necessárias: como ir ao trabalho, escola...
2. Atividades opcionais: caminhar num calçadão, descansar na cidade...
3. Atividades sociais: estar em grupo – reuniões, encontros, manifestações...
Uma melhoria no ambiente físico onde acontecem as atividades opcionais, refletem diretamente no aumento das atividades sociais. Além disso as atividades obrigatoriamente necessárias e as opcionais, são pré-requisitos para a existência de atividades sociais.
Ao nos depararmos com o provérbio “o homem é a maior alegria do homem”, lembramos que a sensação de segurança e de vitalidade no espaço urbano é dada por nós mesmos e, um ótimo exemplo para ilustrar isso é como, na Europa, as cadeiras dos cafés se voltam para a sua atração principal: a vida na cidade – como ilustrado na série “Emily em Paris”, nesta imagem do post.
Chamamos de gentrif**ação o processo de “saída” (expulsão) dos moradores de um local de grande interesse, em razão da especulação imobiliária e do turismo. Exemplif**ando: imagina se no Santo Antônio Além do Carmo a rede Iguatemi conseguisse, finalmente, instalar o seu projeto de shopping ao ar livre? Os moradores daquela região certamente não seriam mais capazes de arcar com os custos básicos da sua sobrevivência ali, como alimentação, lazer, moradia.
Esse fenômeno tem acontecido em Barcelona, Veneza e em muitas cidades de valor histórico. Hoje, vamos falar de Córdoba, uma cidade localizada na Espanha, Patrimônio Mundial da Unesco, que vem sofrendo os efeitos da gentrif**ação. Lá, surgiu a Pax, uma startup de reabilitação urbana e inovação social, que trabalha com a recuperação dos pátios das casas históricas, a fim de frear os efeitos negativos do turismo e da especulação imobiliária na vida local.
Em Córdoba, é muito comum as casas possuírem um pátio, um local que é compartilhado no fundo de um conjunto de residências. A Pax desenvolveu o Esquema da Casa Pátio, que se dá com a aquisição ou negociação de imóveis de alto valor patrimonial que estão abandonados, para transformá-los numa cooperativa, gerando economia local. Cada imóvel se torna habitação dos cooperativistas e comércio, com a produção de artesanato e o fomento ao micro turismo. Além disso, esses imóveis são destinados também ao acolhimento de imigrantes e de refugiados, bem como de pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Assim, a Pax consegue promover um urbanismo de proximidade, fortalecer a economia local e difundir a sustentabilidade, pois cada pátio tem um microclima gerado pelo paisagismo que há neles.
Quando pensamos em qualquer cidade do mundo, geralmente, a primeira imagem que vem à nossa mente é de suas ruas e calçadas. A partir dessa imagem, fazemos nossos juízos de valor sobre esta cidade.
As ruas e calçadas são os principais lugares públicos da cidade, são como seus órgãos vitais. Por elas, acontecem os deslocamentos de veículos e de pedestres, em sua grande maioria desconhecidos – no caso das grandes cidades.
É muito interessante a maneira como Jane Jacobs traz o desconhecimento do outro como um aspecto característico das grandes cidades. E mais, nossa relação com os desconhecidos acontecem, sobretudo, nas calçadas. De modo que uma cidade considerada segura é aquela que proporciona uma “relação” de confiança com o outro que não conheço. Portanto, é tarefa fundamental das ruas e calçadas garantir essa segurança.
Mas, como? Isso é assunto para o próximo post da série HistoriCidades, em que seguimos nos aprofundando no livro Morte e Vida das Grandes Cidades, de Jane Jacobs.
Já falamos bastante sobre o Rec Comtal, a estrutura hidráulica, ou canal, que levava água para toda a Barcelona durante quase 1.000 anos, alimentando os moinhos de farinha e tecido e irrigando as hortas em direção ao Mar Mediterrâneo.
O que ainda não tratamos aqui foi da propriedade do Rec Comtal. Quem geria o seu uso? Pois bem, essa importante estrutura hidráulica era de propriedade do monarca, o qual dava ao explorador dos moinhos a concessão de uso do Rec. É dizer: mediante o pagamento de um valor anual e de uma entrada, era possível fazer uso deste canal e explorar a água geradora de rendas que passava por ele.
É interessante assinalar a importância econômica da água neste período e o quanto esse valor dado a ela foi capaz de conduzir o traçado urbano de Barcelona, que sempre teve a presença da água como condicionante.
Finalizando nossa viagem pelo Extremo Oriente, hoje vamos falar das cidades japonesas – muito semelhantes às urbes chinesas que vimos anteriormente.
No Japão, porém, a realidade era diferente. A ausência de grandes espaços planos e de rios navegáveis, limitou, até um dado momento, o crescimento das cidades japonesas, diferente da realidade na China.
No espaço urbano japonês e até nas residências é possível ver a presença dos eixos de simetria, com grande presença da ortogonalidade.
A contribuição japonesa ao urbanismo, foi a liberdade informal do seu paisagismo, com jardins que foram antecessores ao estilo dos jardins ingleses, caracterizados por uma concepção orgânica, em contraponto aos ângulos retos de sua arquitetura e urbanismo.
Veneza, por natureza, é uma cidade para pedestres e um interessante modelo para se trabalhar com a dimensão humana no urbanismo. A cidade italiana proporciona uma das experiências urbanísticas mais diferentes no mundo.
Se você já esteve em Veneza, pôde ver a vitalidade das suas ruas, devido à presença do uso misto nelas. A cidade não é setorizada por funções, como grande parte das cidades no mundo. Em Veneza, é possível ter um restaurante, loja ou café no térreo dos casarões e os demais pavimentos podem ser de uso residencial ou institucional.
É preciso aqui, fazer uma crítica também ao processo de gentrif**ação que ocorre em Veneza há alguns anos. Esse processo é a migração em massa de moradores de Veneza para outras cidades vizinhas, que é ocasionado pelo aumento no valor dos aluguéis e de itens básicos de consumo, já que o turismo toma conta do local e promove a especulação imobiliária por lá.
Com o urbanismo de proximidade e o grande destaque que se tem dado atualmente a este modelo urbano de caminhadas a curtas distâncias, Veneza pode nos ensinar muito sobre a inserção da escala humana na escala urbana, com as devidas ressalvas quanto à gentrif**ação, claro.
Fotografia de autoria própria em 07/01/2020
As grandes cidades se converteram em lugares mortos, que confinam almas solitárias. A setorização delas, com a separação de espaços conforme sua função, gerou este isolamento, de modo que a diversif**ação de usos é uma saída promissora para enfrentar as solidões urbanas.
Hoje, com a pandemia da COVID-19, muito tem se falado de um Urbanismo de proximidade, que são novas tendências na produção do espaço urbano pautadas no convívio social, no contato com a vizinhança e nos deslocamentos a pé e em bicicleta, como vimos no conceito da Cidade de 15 minutos do Professor Carlos Moreno.
A diversif**ação de usos pode se dar também dentro dos edifícios, como em muitas cidades do mundo, em que o térreo das edif**ações pode ter uso comercial e os demais pavimentos uso residencial. Assim, a vida permanece no bairro, mesmo em horário não-comercial.
Um grande exemplo da solidão urbana são os países nórdicos. A Suécia, por exemplo, tem o menor índice de pessoas por apartamento no mundo – por lá, há uma média de apenas 02 pessoas por habitação. Além disso, 3 de cada 5 lares conta com apenas 1 pessoa.
Como maneira de diminuir a solidão urbana, surgem ali alguns projetos de Co-housing, que é um tipo de edifício com espaços privados e compartilhados. Por exemplo, a cozinha, o jardim, a lavanderia, a biblioteca e o salão de festas podem ser espaços compartilhados entre todos os moradores, enquanto os banheiros e quartos podem ser espaços privados. Mas, apenas 0,03% dos suecos vivem nesse tipo de habitação, que está começando a se difundir por lá.
É curioso observar como no Urbanismo os conceitos datados de épocas bem diferentes se inter-relacionam. Derivando da ideia da Cidade Jardim (Ebenezer Howard - 1898), Le Corbusier apresenta a sua Cidade Radiante, a Ville Radieuse em 1924.
Nela, a população é alocada em arranhas céus, rodeados por espaços verdes e com usos setorizados, havendo o isolamento dos edifícios públicos e culturais, numa espécie de purif**ação da vida cotidiana na cidade.
Certamente, se você conhece a Cidade Jardim de Howard, verá muita semelhança com a Ville Radieuse de Le Corbusier. E é possível traçar semelhanças entre ambas, como a ideia de setorização dos usos, o isolamento e a presença do verde.
A grande diferença entra elas é que a Cidade Radiante é projetada, sobretudo, para o automóvel, numa nova velocidade da vida urbana, como exemplif**a Jane Jacobs: “nos projetos de Le Corbusier figuravam artérias destinadas ao trânsito rápido, de direção única.” Além disso, a Cidade Jardim preconizava uma baixa densidade urbana (com limitação da sua população), enquanto a Cidade Radiante se baseava num alta densidade urbana, característica dos tempos em que ela foi projetada.
E mais, se olharmos para as nossas cidades de hoje, veremos uma enorme semelhança à Cidade Radiante, com espaços urbanos isolados, separados por funções e pouco amigáveis ao pedestre, sendo Brasília um ótimo exemplo disso.
O bom funcionamento de um núcleo urbano é garantido por dois fatores: o abastecimento de água potável e a eliminação das águas sujas. Por isso, entre os anos de 1280-1330, Barcelona começa seu crescimento de maneira ordenada e controlada, tendo em conta estes dois fatores ligados à água.
Neste período, a cidade teve um grande aumento da sua população e um forte desenvolvimento da indústria têxtil e do comércio marítimo. Com o controle urbanístico da água, havia ramais secundários a partir do Rec Comtal que a distribuíam para as atividades industriais e para a irrigação das hortas, além de haver o recolhimento das águas sujas.
A água bem controlada e guiada conforme os seus usos constituiu um elemento essencial e inseparável, desde o princípio, da concepção urbanística de Barcelona.
São as águas que fazem a cidade...e a melhoram.
Imagem extraída de: https://www.lavanguardia.com/local/barcelona/20170311/42709846095/rec-comtal-mina-besos-barcelona-secreta.html
Seguimos nossa viagem pela história do espaço urbano, estudando agora as cidades no Extremo Oriente. Seguindo a tradição dos povos da Mesopotâmia e do Egito, as cidades chinesas também se desenvolveram sob a concentração de poder. Porém, nelas é acrescentado um novo elemento ao poder, o seu sentido de existir – o qual só se justif**ava se assegurasse a paz e a harmonia social, é a ideia do Yin e Yang.
O território chinês é caracterizado ao Norte pela cadeia montanhosa do Himalaia, com seus territórios pouco habitados, e ao Sul pelas planícies cultivadas, onde a vida flui. A cidade, sede do poder que falamos acima, é símbolo dessa mediação de opostos.
As normas urbanísticas chinesas permanecem praticamente intactas desde 206 a.C. Nelas, o traçado das ruas é definido pelos pontos cardeais, em referência à busca pelo equilíbrio norte-sul, característico deste território. E mais, a presença dos eixos de simetria é também visto nas casas chinesas, que seguem a geometria das ruas e tem, geralmente, seu acesso pelo sul – referência ao fluir da vida nesta porção do território.
A casa da cidade era tão rigorosa, simétrica e regular quanto o traçado das ruas. Já a casa do campo, em respeito à natureza, era irregular.
A cidade chinesa, como se vê, é repleta de simbolismos e buscou equilibrar opostos como montanha-planície, norte-sul, simetria-irregularidade.
Imagem extraída de: https://www.economist.com/1843/2018/02/27/experience-ancient-china-in-pingyao
Salvador, capital da Bahia, é especialista no tamponamento de seus canais. Vimos isso acontecer na Avenida Centenário e no Imbuí, por exemplo. Tal solução se mostra mais simplista e imediatista possível, visto que a recuperação de rios não parece fazer parte da realidade brasileira. Além disso, por aqui, não se vislumbram sequer os ganhos econômicos que a abertura de um rio canalizado pode ter. E como pode!
Aprendamos com o exemplo da cidade de Århus , segunda maior da Dinamarca. Um importante rio que passa por ela foi canalizado em 1930 e sobre ele construiu-se uma avenida. Porém entre 1996-1998, o rio foi reaberto e transformou-se no principal atrativo para seus moradores. Em 2008, observando o sucesso da recuperação do rio, iniciou-se a abertura de outro trecho dele.
Resultado?
A cidade de Århus viveu uma importante valorização imobiliária em todos os imóveis que f**avam nas proximidades do rio, diante do interesse despertado pelas pessoas naquela região.
Tal intervenção mostra duas forças atuantes na produção do espaço urbano: o poder público e a iniciativa privada. Foi a reabertura e o tratamento do rio que levou à valorização do solo naquela região, representando importantes ganhos econômicos e, claro, um novo local de permanência na cidade.
O Urbanismo é uma disciplina construída também de modo empírico, pela experiência. Por isso, hoje vamos aprender a partir de Cádiz, uma cidade na Espanha que está implementando a cultura da bicicleta por lá recentemente.
Sabemos que um dos grandes desafios das cidades do século XXI é a mobilidade urbana sustentável. Em Cádiz, 52% dos deslocamentos já se dava por meio de caminhadas em 2013, embora o uso da bicicleta não atingia nem 0,5%. Como uma cidade que já tinha o hábito de caminhar não utilizava a bicicleta? A resposta está no que já estudamos aqui recentemente com Jan Gehl – o convite que a cidade faz aos seus moradores.
Consciente disso, a Prefeitura de Cádiz iniciou a construção de uma rede de ciclovias totalmente conectada, totalizando 30 km de percurso. Além disso, visando garantir mais segurança ao pedestre e ao ciclista, a cidade reduziu a velocidade de suas vias compartilhadas para 20km/h e das demais vias para até 40km/h.
Uma série de medidas compuseram o convite feito por Cádiz para que as pessoas caminhassem e pedalassem, como a elevação das faixas de pedestres, no mesmo nível da calçada – o que garante mais segurança e acessibilidade.
Hoje, Cádiz conta com o Plano Diretor da Bicicleta e se utiliza da internet para difundir a cultura do ciclismo entre seus moradores, caminhando na direção de um futuro sustentável e entrando no hall das Futuras Capitais do Ciclismo (FCCs) como, Burdeos, Brujas, Dublín, Cracovia, Helsinki, Manchester, Riga, Roma e Turín. A ideia é se tornar parte das Capitais do Ciclismo (CCs) junto a Amsterdam, Copenhague e Munique.
Imagem extraída de: El Periodico de la Energía
Parece uma contradição, mas é possível que uma disciplina como o Urbanismo voltado ao planejamento da cidade seja anticidade? É. Esse conceito foi apresentado por Jane Jacobs no seu aclamado livro “Morte e Vida das Grandes Cidades” (1961), ao tecer críticas sobre o ideário dos urbanistas modernistas, de modo que ela assim o resume: “as casas devem voltar as costas para a rua e se abrirem para espaços interiores, verdes, protegidos.”
Assim, nos é apresentado um conceito de cidade datado de 1898, que iria influenciar os urbanistas modernistas a partir de 1960 - a Cidade Jardim de Ebenezer Howard.
A sua ideia era conter o crescimento de Londres, repovoando as suas áreas rurais, destinando-as à edif**ação de cidades rodeadas por um cinturão agrícola e com usos distintos ordenados. Do centro, que era comercial, partiam outras áreas. Havia a área industrial numa zona planejada, em outra zona apenas residencial - escolas, moradias, parques. A ideia inicial era também limitar a população da cidade para até 30.000 pessoas. Foi adaptando esse conceito de setorização que os urbanistas modernistas conceberam cidades fragmentadas – modelo este replicado até hoje.
O que se vê na Cidade Jardim é a ideia de planejar a cidade para que ela não se torne uma. Afinal, como negar ao espaço urbano a sua natureza diversa e complexa, como deve ser?
Imagem extraída de equilibrium.org.br
“São as águas que fazem a cidade...” é com esta frase do escritor romano Plinio el Viejo, que ilustramos o fato de a paisagem e o território serem ordenados em função da água e condicionar a morfologia urbana, como foi no caso de Barcelona.
A distribuição de água nesta cidade se dava conforme o seu uso. Para o uso agrícola, na irrigação de hortas; para o uso higiênico; para consumo; para uso industrial, movendo os moinhos de tecidos e farinha e para o uso recreativo.
No post anterior, dissemos que antes do Rec Comtal, estrutura hidráulica erguida com a queda do Império Romano, havia aquedutos para distribuição da água em Barcelona – mas, não se sabe ao certo quantos. O que se sabe é que os aquedutos eram majoritariamente subterrâneos.
É válido ressaltar que Barcelona contava com uma infraestrutura hidráulica muito superior às suas necessidades, de modo que a água chegava a todas as partes da cidade, cumprindo muito bem o ciclo da água numa urbe: captação, distribuição e evacuação.
Porém, com a queda do Império Romano, observaremos mais adiante como essa infraestrutura foi deteriorada, construindo-se o Rec Comtal, que levou água a Barcelona do século X até meados do século XX.
Entre 2016-2018, foram realizados estudos de recuperação urbana de vários bairros por onde passa o Rec Comtal, com espaços lúdicos, de repouso e de interpretação sobre sua história. O projeto foi realizado pelo Carles Enrich Studio, localizado em Barcelona.
Fonte das imagens: Carles Enrich Studio
Dando continuidade à nossa viagem pela história da cidade, hoje vamos falar do Egito e como os materiais empregados nas construções da época refletem o ideário da civilização egípcia, sobretudo sua aproximação com a ideia do divino.
Como vimos, na Mesopotâmia, as construções eram feitas de argila e sofriam com as intempéries. Porém, no Egito, surge o uso da pedra nas construções, largamente empregada nos monumentos dedicados ao faraó – que era o próprio deus.
Ao optar pela pedra, a civilização egípcia ergueu a chamada cidade divina, alheia à escala humana e perene, resistente até às cheias do Rio Nilo. Enquanto a chamada cidade humana, feita de tijolos, praticamente desapareceu ao longo do tempo.
Dentro das tumbas, templos e monumentos de pedra – equipamentos da cidade divina – era possível observar a cópia dos aspectos da vida na cidade humana. Os egípcios tinham consciência da passagem pela vida terrena e, por isso, empreenderam seus melhores materiais e sua força de trabalho na construção da cidade divina, já que a vida, para eles, seguia após a morte.
Assim, é possível ver como, graças à natureza documental da cidade divina, podemos entender como era a vida na cidade humana.
Enquanto habitantes da cidade, raramente temos a consciência de como o ambiente construído afeta nosso comportamento. Mas, basta dar uma olhada na História e ver como a disposição das cidades romanas estabeleceu o controle militar da sua população e como as cidades medievais, com seus muros, limitaram o direito de ir e vir. E mais, olhe ao seu redor e, caso esteja perto da natureza, veja como seu humor f**a melhor.
Pesquisas expostas por Jan Gehl, autor do livro “Cidades para Pessoas”, mostram que o padrão de uso dos espaços urbanos está atrelado ao tipo de convite que é feito pela cidade. É dizer: quanto mais vias e estacionamentos são construídos, maior será o tráfego de veículos.
Na contramão do convite ao uso do automóvel particular feito pela grande maioria das cidades, temos Copenhague, na Dinamarca – onde o cidadão é convidado a ser ciclista e a caminhar, diante de toda a infraestrutura de ciclovias e espaços caminháveis que há na cidade.
Em pleno auge do Modernismo, em 1960, Copenhague iniciou (com muito ceticismo por parte do mundo todo) o projeto de desestímulo ao uso do automóvel particular e de estímulo ao pedestre e ao ciclista, com a conversão de estacionamentos em praças e a criação de ruas exclusivas para pedestres – um projeto que começou na área central e depois se espalhou por grande parte da capital dinamarquesa.
Hoje, Copenhague é parte do grupo de cidades onde mais se utiliza a bicicleta no mundo. Por lá, a cidade convidou seus cidadãos a caminharem e a pedalarem. E por aqui, que convite estamos fazendo?
Quem, nas cidades atuais, consegue em apenas 15 minutos, caminhando ou indo de bicicleta, chegar ao trabalho, em casa, ir ao mercado, a um hospital, à escola, universidade, ao museu ou a uma praça bem equipada? Se você vive na Paris dos próximos anos, você poderá responder sim a todas essas perguntas.
É que a capital francesa será a primeira cidade do mundo a implementar o conceito da cidade de 15 minutos, do Professor Carlos Moreno, arquiteto e urbanista colombiano que leciona na Sorbonne. O seu conceito é que à distância de uma caminhada de 15 minutos ou um passeio de bicicleta, as pessoas possam desfrutar do que realmente constitui a experiência urbana: acesso ao trabalho, habitação, alimentação, saúde, educação, cultura e lazer.
Carlos Moreno é também atual assessor urbanístico de Anne Hidalgo, prefeita de Paris, reeleita com grande contribuição da ideia de transformar a capital francesa na primeira cidade de 15 minutos do mundo. Este conceito urbanístico questiona o modelo de cidades setorizadas, largamente difundidas desde 1960 pelo Modernismo até os dias atuais.
Na cidade de 15 minutos, é possível recuperar o tempo como padrão de qualidade de vida. Afinal, perdemos muito tempo de vida no trânsito, nos deslocando para satisfazer as nossas necessidades básicas nas cidades de hoje.
Em tempos de pandemia, principalmente, limitar os deslocamentos a um raio de 15 minutos é muito pertinente, já que assim é possível rastrear e limitar os contágios.
O conceito da cidade de 15 minutos com o interesse do governo parisiense, é a prova de que quando há vontade política, ideias que parecem utopia podem se tornar realidade.
No quadro TeoriCidades, seguimos nos aprofundando no pensamento de Jane Jacobs, no livro Morte e Vida das Grandes Cidades. Em 1959, a autora se depara com a reabilitação urbana e as profundas mudanças empreendidas no bairro de North End, em Boston, nos Estados Unidos.
Este bairro industrial, localizado numa área portuária, era tido como “uma vergonha para a cidade”, palavras dos urbanistas da época – devido à sua densidade urbana, ao uso misto e à presença de imigrantes, sobretudo os que vinham da Sicília, na Itália.
Porém, ao contrário dessa visão negativa dos urbanistas, Jane Jacobs, ao visitar o North End após a sua reabilitação diz: “Havia visitado grande parte de Boston e este lugar me parece o mais saudável da cidade.” De fato, as estatísticas da época mostravam que o North End tinha os mais baixos índices de delinquência, enfermidade e mortalidade infantil de toda Boston.
Depois da recuperação urbana pelos próprios moradores do bairro (e o curioso apoio da máfia italiana advinda da Sicília, que residia nele), as ruas do North End eram sinônimo de vida, repleta de crianças, de uma configuração urbana que mesclava pequenos comércios, restaurantes, residências – tudo o que se desejava para as cidades pelos críticos do modernismo desde 1960 até os dias de hoje.
É curioso observar como o North End é justamente a materialização de um lugar cheio de vida, mas que, por suas estatísticas sociais exemplares, sua população simples seria ainda mais forte, criando o ódio dos urbanistas da época por este local. Esta aversão ao North End é um dos grandes exemplos de que Arquitetura e Urbanismo são sim política.
Imagem extraída de: https://www.bostonglobe.com/2020/06/12/nation/restaurants-mercy-covid-19-months-are-now-mercy-weather-too/
Como vimos no último post do quadro MorfoCidades, Barcino, como era conhecida Barcelona quando formava parte do Império Romano, era dotada de uma infraestrutura hidráulica típica das cidades romanas, cuja distribuição de água se dava, principalmente, por meio de aquedutos. Toda essa engenharia hidráulica foi comprometida com a queda do Império Romano. Mas, é na Barcelona da Idade Média que surge outro elemento hidráulico que delineou o traçado urbano inicial desta cidade: o Rec Comtal.
O Rec Comtal foi a mais importante infraestrutura hidráulica da Barcelona do século XI e era um canal de irrigação que trazia água desde o Rio Besòs, localizado na porção norte da cidade, até as suas muralhas. O seu traçado seguia o desenho anterior do aqueduto romano e foi definido pela localização dos moinhos das fábricas de farinha e tecidos, as quais necessitavam desta água para o seu funcionamento.
A água, geradora de rendas e do desenho urbano de Barcelona, vinha desde o Rio Besòs e seguia irrigando as hortas em direção ao Mar Mediterrâneo, onde ele deságua. Assim, temos caracterizado o primeiro período de desenvolvimento da morfologia urbana de Barcelona, cujas ruas seguiam o traçado do Rec Comtal.
Imagem fornecida pelo Museu de História de Barcelona e com tradução e edição de autoria própria
Dando continuidade à nossa viagem pela história do espaço urbano, observamos que na Mesopotâmia e no Egito, o surgimento das cidades está diretamente ligado ao início do estabelecimento das relações hierárquicas de poder, em que havia os detentores dos meios de produção e os trabalhadores (dominadores e dominados, respectivamente).
Com essa drástica mudança na forma de cultivo da terra, já que na Pré-História não havia a ideia de propriedade privada, ocorreu a chamada Revolução Urbana - um período de rápido desenvolvimento das cidades, caracterizado por importantes inventos, como a roda e os sistemas de irrigação. Além disso, aparece a distinção entre campo e cidade, de modo que o campo era o local de produção e a cidade o local de comercialização do excedente.
Como o sucesso de um núcleo urbano está diretamente ligado à disponibilidade de água em suas proximidades, as primeiras civilizações urbanas que datam de 3.500 a 1.500 a.C. se desenvolveram no curso do Rio Nilo (Egito) e Rios Tigre e Eufrates (Mesopotâmia).
Nas primeiras cidades sumerianas independentes, os templos ocupavam o local de destaque na paisagem, com cidades circundadas por muros e a presença da natureza somente na parte externa da cidade, extra muros. As edif**ações eram feitas de argilas, as quais sofriam as ações das intempéries e necessitavam de manutenção contínua.
Com a unif**ação das cidades sumerianas e a formação dos primeiros impérios, surgem as cidades residenciais, cujo centro era o palácio do rei, não mais o templo. Nessa época surgiram as primeiras metrópoles, símbolos de concentração do poder e das atividades econômicas – Nínive e Babilônia.
Sendo assim, é possível notar como, desde os primórdios, as cidades são palco do estabelecimento de relações de hierarquia, onde a figura que concentra os poderes é quem delineia a configuração do espaço urbano.
No próximo post do quadro HistoriCidades falaremos das cidades egípcias e o papel do Rio Nilo no seu desenvolvimento.
Imagem extraída de: http://algargosarte.blogspot.com/2014/09/babilonia-la-ciudad-de-nabucodonosor-ii.html
No quadro AntropoCidades, vamos explorar as intervenções urbanísticas realizadas nas últimas décadas e avaliar o sucesso ou o fracasso das iniciativas que, desde o livro “Morte e vida das grandes cidades”, de 1961 (Jane Jacobs), colocaram o elemento humano como centro do planejamento urbano.
À época, era crescente o interesse dos críticos de urbanismo pela construção de cidades de uso misto, contrariando os preceitos modernistas de cidades setorizadas, infelizmente difundidos até hoje e que negligenciam a dimensão humana, convertendo a rua em local de medo e de falta de vida.
Por cidade viva e segura, Jan Gehl, autor do livro “Cidades para pessoas”, entende que ela pode ser caracterizada pela quantidade de pessoas que caminham, pedalam e permanecem nos espaços públicos. De fato, nos sentimos muito mais seguros em ruas onde há pedestres caminhando também. É válido ressaltar que, diante do isolamento social com a pandemia da COVID-19, a falta de vida podia ser vista desde nossas janelas, ao avistar as nossas ruas sem pessoas.
Iniciativas pelo mundo mostram a relevância do poder público no direcionamento da produção do espaço urbano. Em 2002, por exemplo, a Prefeitura de Londres implantou um pedágio nas suas ruas mais congestionadas, que exige que os motoristas paguem para circular por elas de segunda à sexta, das 07h – 18h. Resultado? O uso do automóvel particular caiu 41%, aumentou o uso do transporte público em 19% e cresceu em 48% o uso das bicicletas.
Para circular nestas zonas de congestionamento, o motorista tem de pagar mais de R$70,00 diários, com a cotação da libra de hoje. Além disso, em 2017, mirando na agenda sustentável, carros mais poluentes passaram a pagar mais que o dobro para circular nas zonas com pedágio de tráfego “T-Charge” de Londres.
Quando o poder público percebe o baixo custo para inclusão da dimensão humana no planejamento urbano, quando comparados com investimentos em saúde e em tráfego, cidades para pessoas se mostram reais e não uma utopia.